Construída em 1904 na altura do que hoje é o número 300 da Rua Domingos de Morais, a Villa Kyrial teve um papel central para o desenvolvimento de nomes das vanguardas artísticas no Brasil. O gaúcho José de Freitas Valle, ilustre morador do casarão, foi um dos mecenas mais importantes da República Velha (1889-1930). Como congressista tinha acesso a recursos e verbas públicas que frequentemente usava para subsidiar as artes e também a educação.
A sua casa, a famosa Villa Kyrial, palavra que tem origem no grego kyrios (deus), era um verdadeiro templo de cultura. A origem desse empreendimento remonta a 1904, quando comprou de alguns alemães uma chácara que ficava na Rua Domingos de Morais, 10 (atualmente o número seria 300), situada na Vila Mariana, bairro pouco povoado mas de terras altas e solo fértil. Além disso, nesse mesmo ano seria eleito deputado estadual pelo Partido Republicano Paulista.
Antes conhecida por Vila Gerda, a chácara foi renomeada para Villa Kyrial e possuía mil metros quadrados, com sua frente voltada à Domingos de Morais e os fundos para a Rua Cubatão. Sua grande ideia era a de transformar sua residência em um reduto de cultura. É preciso entender que, naquela época, São Paulo não possuía espaços apropriados para a convivência dos intelectuais e os salões da Villa se tornaram o point para que essas mentes se encontrassem.
Não é um exagero dizer que, por algum tempo, a vida intelectual de SP passou a ser focada entre a Faculdade de Direito e das festas proporcionadas na Villa. Em pouco tempo, lá se encontravam artistas de todos os gêneros: literatos, músicos, políticos, artistas plásticos, atores, etc. Foram muitos os talentos que se revelaram em meio aos frequentes saraus, concertos, exposições, leituras e conferências sempre organizadas e realizadas por Freitas Valle.
Era comum encontrar músicos executando obras eruditas à porta de entrada e a exposição de diversas obras de arte. Graças a ele, o pintor lituano Lasar Segall fez sua primeira exposição no Brasil em 1913 e Anitta Malfatti e Brecheret aperfeiçoaram suas técnicas na Europa, através de um programa conhecido como Pensionato Artístico. Era comum, também, receber convidados do nível do poeta Mário de Andrade e do compositor Heitor Villa-Lobos. Vale o destaque que, Monteiro Lobato, um dos grandes ícones do nosso país, criticava de maneira fervorosa Freitas Valle, que além de qualificá-lo como adepto de práticas políticas para se autopromover, dizia ser ele, “um imitador da França”.
Durante seu auge, entre 1904 e 1924, os encontros ocorriam até cinco vezes por semana. Freitas Valle morreu em 1958 e dois anos depois a propriedade foi vendida. Em 1961 estava demolida. Entre a demolição do imóvel histórico nos anos 60 e o início dos anos 2000, pouco se falou deste importante salão cultural situado na Vila Mariana. Uma das poucas vozes a falar do tema foi a jornalista e historiadora Marcia Camargo com a publicação de sua tese de doutorado no livro “Villa Kyrial: crônicas da Belle Époque paulistana” (2001, Editora Senac). Próxima da família de Freitas Valle, Márcia iniciou sua pesquisa sobre o tema depois que um professor seu leu um artigo sobre o local, escrito pela crítica de arte Aracy Amaral.
Referências: https://vejasp.abril.com.br/cidades/chacara-vila-mariana-mario-de-andrade-anita-malfatti/
http://navcult.com/villa-kyrial-o-salao-esquecido-da-belle-epoque-paulistana/
http://blogdogiesbrecht.blogspot.com/2009/09/vila-kyrial.html
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa467510/freitas-valle
http://blogln.ning.com/profiles/blogs/jose-de-freitas-valle-e-a
Artigo “Nos tempos de Villa Kyrial”, de Elias Thomé Saliba
Artigo cujo tema fascinante ficou nos escombros da demolição de um reduto cultural, extremamente precioso para São Paulo e para a história do bairro de Vila Mariana. Parece que nunca existiu e precisa renascer das cinzas pois foi berço criativo literário, musical, artes plásticas, etc…
Morei muito pertinho da Villa Kyrial e como era bem criança, somente tive o privilégio de conhecer aquela área deslumbrante. Sua demolição foi uma das grandes burrices da especulação imobiliária. Construíram uma galeria de lojas a qual sempre ficou ás moscas e que possui uma atmosfera pesada, em seu interior. Construíram prédios de apartamentos que hoje estão degradados e vazios. Provavelmente José Freitas Valle, ainda perambule por lá indignado ao constatar que tudo de maravilhoso que construiu e sonhou para a cidade de SP, foi jogado no lixo.
Acho da maior importância para nossa história cultural toda referência à “Villa Kyrial” e seu mecenas Freitas Valle. Infelizmente, em nosso país, são raros os governantes que, como ele, se preocupam com a promoção das letras e das artes; ainda estamos muito longe de ter entre nós um Sforza, Gonzaga ou Lorenzo, Il Magnifico! Por isso parabenizamos aqueles que retomam o tema da famosa “Villa Kyrial” retratando assim uma época brilhante da cultura brasileira.; brasileira, sim, embora os maus críticos de plantão acusem-na de ser “afrancesada”. Se lá floresceram artistas como Victor Brecheret, Anita Malfatti e Heitor Villa Lobos, por que não deveríamos nos interessar pela Villa Kyrial?
Nesses dias em que infelizmente a cultura vem sendo cada vez mais deixada em segundo plano, seria interessante que projetos com a mesma finalidade da Vila Kyrial fossem desenvolvidos.
É claro que numa versão atual, com o implento de tecnologia, etc…
Se o governo não faz, cabe a pessoas que têm condições fazê-lo.
A obra de Freitas Valle foi destruída em termos, na medida em que sua iniciativa pode ser desenvolvida por outras pessoas preocupadas com a cultura do nosso país.
Caros, belo artigo. Só uma correção ao texto publicado: o nome da autora da tese de doutorado é Márcia Camargos (assim mesmo, com “s”)