Polêmica e agressão na Câmara: quando Jânio Quadros apanhou no plenário

Um dos políticos mais famosos e polêmicos do Brasil passou por uma confusão única dentro da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP). Em uma atitude imperdoável, Jânio Quadros foi agredido no plenário quando se discutiam um polêmico projeto de incentivo público a clubes privados. Vamos à história.

Jânio Quadros foi agredido no plenário em 1949

No dia 31 de agosto de 1949, após passar por todas as comissões cabíveis e ter a chancela da Mesa Diretora, foi apresentado ao plenário o projeto Nº 234, que tinha como objetivo inicial a criação da Comissão Municipal de Desportos, com cinco membros, todos nomeados pelo prefeito.

Essa comissão teria 60 dias para conceder benefícios para entidades e associações esportivas. Esses benefícios, à época, foram chamados de medidas de proteção aos desportos.

Transcrevo aqui, o capítulo II do Projeto, que li no livro “Histórias das Legislaturas Contemporâneas”, Volume I, da escola do parlamento da CMSP (não encontrei o projeto na íntegra dentro do site da Câmara):

“Art 5º – A proteção aos esportes e a educação física tornar-se-á efetiva mediante concessão e auxílios, empréstimos ou financiamentos e através da isenção de impostos, bem como, pela desapropriação, permuta e cessão de áreas cuja finalidade seja a edificação das praças de desportos.

Art 6º – Sem prejuízo dos melhoramentos a serem introduzidos no Estádio Municipal, as importâncias que forem destinadas à proteção dos desportos e à educação física serão aplicadas, preferencialmente, com o objetivo de auxiliar a iniciativa particular na construção ou conclusão de estádios, ginásios, piscinas, campos de baseball, pistas de atletismo, quadras de tênis e ampliações ou edificações da mesma natureza.”.

De maneira singela e direta: o poder público queria mandar recursos para os esportes da iniciativa privada. Diante desse projeto, dois parlamentares se postaram contrários à ideia: Jânio Quadros e Cid Franco. Os dois, durante um bom tempo, discursaram contrários à iniciativa que, cá entre nós, era realmente um absurdo.

Estavam previstos no projeto que clubes como o Corinthians e o Palmeiras recebessem empréstimos de sete milhões de cruzeiros cada um, com previsão de renegociação em 1950, além de cessão de áreas da prefeitura para os clubes aumentarem seus espaços e “incentivar” as práticas esportivas.

Com o  São Paulo, a polêmica foi maior: a prefeitura estava disposta a trocar uma área de 94 mil metros quadrados no Ibirapuera (entre a Avenida Brasil e a rua Abílio Soares) por uma área de 70 mil metros quadrados que ficava no bairro do Canindé. Já imaginariam um estádio onde hoje está o Parque Ibirapuera?

É importante dizer que a maioria dos vereadores, que na época eram 45, eram a favor do projeto, em especial por serem apoiados pela crônica esportiva daquela época. Um dos vereadores que defendeu com maior entusiasmo o projeto foi Nicolau Tuma, da bancada da UDN, que fora cronista esportivo por anos antes de se dedicar à vida pública.

Abaixo, parte de um de seus (absurdos) discursos que endossava a ideia:

“(..) não basta curar as doenças, é preciso aperfeiçoar a raça pelas regras da eugenia, entre as quais a ginástica é a primeira de todas (…) O pão do espírito pouco se alimentará se a mente não estiver sadia, e para isso necessário se faz que a raça se fortaleça e se embeleze. Junto com cada escola, levantemos um campo de esporte, cavemos uma piscina.

Abramos escolas para alfabetizar as massas e fazer a seleção dos valores intelectuais, porém, ao mesmo tempo, preparemos a grandeza da Pátria como ensinaram os gregos, pelo cultivo das forças físicas, adestrando os músculos, tonificando os nervos, saneando a raça, porque o brocardo latino é uma regra infalível de higiene.

Revivendo os jogos olímpicos, o mundo contemporâneo apontou o caminho das novas conquistas. Sigamo-los para não termos a decepção de ficar atrás e esquecidos como o cavaleiro da fábula (….) Eu prefiro construir o Brasil de amanhã, o São Paulo dos outros séculos sobre o alicerce forte da eugenia. Eu prefiro trabalhar por uma raça forte, que possa resistir a este clima de seleção que Deus nos deu nos trópicos, corpos fortes com almas fortes para que resistam aos males do corpo e do espírito.

(…)

Devo um esclarecimento para apagar quaisquer dúvidas em espíritos menos avisados ou mal informados. A União Democrática Nacional, partido a que me honro de pertencer, não é, nem poderia ser, contra à proteção e o amparo aos esportes.”.

Vale dizer que a União Democrática Nacional (UDN) não era unânime ao redor do projeto. O longo discurso seguinte, que não será transcrito para não cansar o leitor, do vereador Edison Ribeiro, foi de indignação e revolta.

O vereador, inclusive, teve a coragem de dizer que o projeto era eleitoreiro e que os políticos buscavam “cortejar o voto dos grandes clubes esportivos” e que “não se pretendia beneficiar o esporte e muito menos a educação física do povo”.

O projeto foi colocado para votação no dia seguinte. Eram 30 vereadores a favor e apenas 8 contra, entre eles, Jânio Quadros, Cid Franco e Edison Ribeiro.

O papel da mídia e a agressão

A polêmica, como era de se esperar, explodiu. Diversas mobilizações de estudantes começaram a ser organizadas e a crescer pela cidade. Na Câmara, os ânimos foram ficando cada vez mais exaltados.

Em toda e qualquer oportunidade, Jânio Quadros e Cid Franco discursavam contra o projeto, seja falando pelos estudantes, seja falando por cronistas esportivos que não concordavam com o projeto. Genaro Rodrigues, o Nage, chegou a enviar um ofício para Franco, destacando sua revolta com a ideia.

Toda a exaltação, expectativa e problemas estourariam no dia 3 de outubro de 1949. Sem mais delongas, vamos às palavras que os vereadores trocaram e, por fim, a famosa agressão. Em um plenário lotado, com a presença de toda grande imprensa as palavras foram as seguintes:

Jânio Quadros: Asseguro que isso é, também, um crime. Asseguro que essa Lei cairá o Judiciário e não é possível que nos arrisquemos a sujeitar-nos a uma capitis diminutio. Com este significado é uma humilhação desta espécie, somente pela teimosia demonstrada por alguns que se recusam a retirar a proposição para oferece-la mais tarde com a lei consentânea, agora, com o desejo de todos. Fiquem vossas excelências certos que isto não é possível, isto refoge ao mandato, isto escapa à nossa atribuição, aos nossos deveres: isto é um verdadeiro atentado ao nosso mandato. Eu até creio que cabe à responsabilização individual e coletiva desta Câmara….

João Fairbanks: – Por que observou ao artigo 174 da Constituição Federal.

Jânio Quadros: Vossa excelência é fascista e está proibido em falar da constituição.

João Fairbanks: Mas não sou imbecil!

Nesse momento, a sessão foi suspensa em meio a muito tumulto enorme envolvendo o vereador Altimar Ribeiro de Lima e o próprio Jânio Quadros. Nas palavras da Folha da Manhã, após uma segunda suspensão da sessão, o que aconteceu foi o seguinte:

“Permanece na tribuna o Sr. Jânio Quadros e, embora suspensos os trabalhos, continua violenta discussão entre o orador e outros vereadores, particularmente o sr. Altimar de Lima.

Num momento de calma, o presidente reabre a sessão. Recomeça a confusão. Em dado momento, o Sr. Altimar de Lima avança em direção à tribuna, intervindo vários edis para evitar uma cena de pugilato. Não o conseguiram, entretanto, pois o vereador pessepista, desvencilhando-se dos que o seguravam, sobe à tribuna e agride o Sr. Jânio Quadros.

Manchete do Correio Paulistano dá conta da agressão sofrida por Jânio

Este perde o equilíbrio e cai, batendo a cabeça na mesa localizada atrás das tribunas. Fere-se e sangra. As pessoas, que se achavam próximas, vereadores e jornalistas, separam os contendores. Percebendo que o sr. Jânio Quadros estava armado e temendo um gesto impensado, Valdemar Teixeira Pinto tira-lhe o revólver.”.

Segundo o depoimento de Edson Ravena, jovem funcionário que viu a cena, a situação acabou assim:

“Era o que Jânio queria, sangrar na tribuna, momento ímpar para dar seu espetáculo. Em tom dramático, passando a mão no rosto ensanguentado, bradava: “Este projeto só passará com as marcas do meu sangue”. Abria o projeto e espalhava o sangue pelas folhas.”.

O jornal Diário da Noite destacou o acontecimento

O projeto acabou sendo não passando pelo plenário em 05 de outubro de 1949 e foi arquivado em 19 de maio de 1953.

Fontes:

Correio Paulistano de outubro de 1949: http://memoria.bn.br/DocReader/090972_09/44274

Jornal de Notícias de 1949: http://memoria.bn.br/DocReader/583138/10813

Livro “Histórias das Legislaturas Contemporâneas”, Volume I, da escola do parlamento da CMSP