Um assunto que costuma ser pouco tratado, mas que, mesmo na tristeza, ainda traz alguma arte, são os cemitérios das grandes metrópoles. Em São Paulo, por exemplo, o mais antigo e artístico local de repouso eterno da população é o Cemitério da Consolação, inaugurado em 15 de agosto de 1858.
Apesar da data acima ser a oficial de “inauguração”, o local já possuía suas atividades desde o ano de 1829, época em que, pela primeira vez na cidade de São Paulo, através do vereador Antonio Alves Alvim, houve um clamor pela separação e dedicação de um espaço da metrópole à atividade funerária.
Até então, como a cidade era extremamente devota ao catolicismo, entendia-se que os corpos deveriam ser sepultados dentro de igrejas, já que, segundo a crença, a proximidade com as imagens santas facilitariam a entrada das almas no paraíso. Contudo, desde o final do século XVIII, o costume já começava a sofrer com reclamações por conta dos higienistas, que afirmavam que tal prática era um hábito perigoso à saúde humana.
A presença de diversas epidemias na cidade, inclusive, resultava em uma contínua e frenética manipulação de restos mortais no interior das igrejas e, também, levava à produção do mau cheiro que, na época, era tido como a grande causa das doenças.
Contudo, como se tratavam de crenças religiosas muito antigas, as discussões sobre como fazer os enterros foram intensas e envolveram amplos debates. Para se ter uma ideia, foram 30 anos de conversas desde a proposta do vereador Alvim.
Nessas três décadas, o projeto sofrera algumas modificações. A mais importante delas é que o cemitério seria oficializado ao lado da igreja da Consolação, de acordo com as opiniões do engenheiro Carlos Rath e dos médicos Líbero Badaró e Cândido Gonçalves Gomide. Além disso, depois de algum tempo, ele seria alterado para o bairro da Luz (em 1832) e para o bairro dos Campos Elíseos, em 1854.
Contudo, em 1855, Rath elabora um novo projeto e conclui que a melhor localização possível para a construção do cemitério paulistano era, de fato, a Consolação. Esse estudo, aliás, foi um marco para a decisão, na época. Para se ter uma ideia, a pesquisa levou em conta a altitude da região, a direção dos principais ventos, a qualidade e densidade do solo, a “grande distância”, que existia naquele século, da cidade.
A Implantação do Cemitério
Decidido o local, era o momento de se desfazer das burocracias municipais paulistanas. Após a delimitação dos terrenos, era preciso ver o que pertencia ao poder público e o que era particular.
Grande parte das terras, principalmente as que ficavam as margens da antiga Estrada dos Pinheiros, já estava sob a administração pública. Contudo, a outra parte precisou ser comprada de Marciano Pires de Oliveira, proprietário de uma grande chácara que ocupava a região. Parte dessa chácara, inclusive, seria adquirida no ano de 1855, quando as obras já haviam começado, e a Câmara Municipal desembolsou duzentos mil réis por parte da propriedade.
A construção, entretanto, sofria com o grave problema da falta de verbas e, por diversos momentos, teve que ser paralisada. Contudo, em 1857, a Marquesa de Santos, pensando em quanto poderia ajudar, doou dois contos de réis, uma pequena fortuna para a época, destinada integralmente para a construção da capela do cemitério.
Seu desejo foi atendido e, a partir dessa doação feita pela Marquesa, aliada a necessidade de colocar o cemitério para funcionar graças à grande epidemia de varíola que assolou São Paulo, o cemitério da Consolação foi aberto no ano seguinte. Com o passar do tempo e com o aumento da necessidade, sua área foi aumentada.
No ano de 1884, parte da chácara do famoso Conselheiro Ramalho, que já ficava no limite com Higienópolis, foi adquirida e, seis anos depois, em 1890, uma grande parte da propriedade de Joaquim Floriano Wanderley foi desapropriada, ao custo de três contos de réis, e anexada à área útil do cemitério.
O Cemitério da Consolação foi o único existente na cidade de São Paulo até o ano de 1893, quando foi aberto o cemitério do Brás ou da “4ª Parada”. Quatro anos depois, seria inaugurado o cemitério do Araçá. A partir do surgimento dessas duas necrópoles, o cemitério da Consolação começaria a sofrer com um processo de elitização, que seria consolidado nos anos seguintes.
A Arte No Cemitério da Consolação
A elitização do cemitério da Consolação acabou trazendo diversas obras de arte para a cidade de São Paulo. Estima-se que, em 1871, através do rico empresário Antonio José de Melo, um mausoléu, oriundo da Europa, foi desmontado e remontado aqui em São Paulo, dando início a essa prática de decorar o túmulo familiar.
Contudo, como era de se esperar, o cemitério recebia a todos. Se em uma ala o requinte e as artes tomavam conta, nas áreas mais afastadas eram enterradas as pessoas mais pobres, escravos, inclusive, que dispunham de covas gratuitas.
No ano de 1901, o vereador José Oswald Nogueira de Andrade, pai do famoso Oswald de Andrade, batalhou para que os muros e o pórtico da entrada fossem reformados, baseado no argumento que o Cemitério da Consolação estava em péssimas condições e não condizia com a moradia dos mortos de uma cidade como São Paulo.
Após pouco tempo, as obras foram aprovadas e o escritório do lendário Ramos de Azevedo foi contratado para dar andamento ao processo. Dois meses depois, ainda em 1902, a capela seria reconstruída a partir de um projeto feito pelo mesmo arquiteto.
O resultado de tudo isso já era observado em 1909, época em que o cemitério da Consolação érea descrito da seguinte maneira: “tornara-se a primeira necrópole de São Paulo, por todos admirada, principalmente pelos visitantes estrangeiros”, conforme as palavras do mesmo vereador José Oswald.
O cemitério, hoje, é uma grande referência na chamada “arte tumular”, com diversas obras de artistas como Eugênio Prati, Vitor Brecheret e Rodolfo Bernardelli.