São Paulo é um centro para novidades e grandes talentos nascerem e prosperarem. Um exemplo claro de música oriunda do solo paulistano é o grupo Demônios da Garoa. E sua história começou lá trás, na década de 40, com o nome de Grupo do Luar, quando meninos de 12 e 14 anos, apaixonados por música, se encontravam todas as noites na casa de Arnaldo para tocar grandes sucessos da época e imitar os grupos famosos, como: Quatro Ases e Um Coringa, Anjos do Inferno e Vocalistas Tropicais.
O grupo logo ganhou corpo e teve a formação de Arnaldo Rosa (vocal e ritmo), os irmãos Antônio e Benedito Espanha (que marcavam ritmo tocando Tantã e Afoxé), Waldemar Pezuol (no Violão), Zezinho (no Violão Tenor) e Bruno Michelucci (no Pandeiro).
Eles procuravam mostrar seu talento em festinhas de amigos, serenatas e em clubes como o Grupo do Luar. Não havia grandes pretensões, nem recebiam nada em troca, somente os aplausos e o reconhecimento de terem feito um bom trabalho. Mas, como em todo lugar, sempre há espaço para o trabalho sério e o grupo foi ficando famoso pelo sistema de “boca a boca” e pessoas começavam a vir de longe para ouvi-los e conhecer sua música.
Todos os integrantes do grupo moravam e trabalhavam na Mooca e em bairros vizinhos, como os tradicionais Brás e Belém. Ali, eles ficaram rapidamente conhecidos e a fama se espalhou de uma maneira avassaladora. Diante de tamanho sucesso e incentivo de pais e amigos, resolveram se inscrever no Programa de Calouros da Rádio Bandeirantes, chamado “A Hora da Bomba”, que era apresentado por J. Antônio D’Avila.
Munidos de muita vontade de aparecer e ter alguma chance no mercado da música, o Grupo do Luar se apresentou em março de 1943 na rádio Bandeirantes. Nessa apresentação, eles interpretaram a música “Quem Se Aluga, São Miguel” e encantaram público. O resultado não poderia ser diferente e eles conquistaram o primeiro lugar sendo agraciados com um contrato com as Emissoras Unidas (Rádio Record, Bandeirantes, Pan-Americana e São Paulo) para fazerem três apresentações semanais.
Após um ano de contrato, o Grupo do Luar era destaque na programação das Emissoras Unidas e já havia ganhado a admiração e carinho dos ouvintes. E foi nessa época que o grupo conheceu o famoso radialista Vicente Leporace.
Foi ele quem sugeriu aos meninos que trocassem o nome do conjunto, uma vez que, na época, a palavra “Grupo” lembrava jogo-de-bicho. Para ajudar os jovens cantores, ele lançou em seu programa um concurso convidando os ouvintes a enviarem cartas com sugestões para um novo nome.
Foi então que chegou a carta emblemática com o nome de Demônios da Garoa, que seria prontamente aceito por todos os integrantes do grupo. Desde então, Vicente Leporace tornou-se o Padrinho dos Demônios da Garoa. Com a nova alcunha, os Demônios da Garoa se consolidaram como o grupo mais solicitado na Rádio Bandeirantes, no quaro da PRH-9, comandado por Paulo Machado de Carvalho.
Anos mais tarde, em 1947, eles se apresentaram para o diretor artístico da Record, Raul Duarte, por quem foram contratados imediatamente e assinando um contrato de 12 anos de duração. O sucesso conquistado nesta emissora foi tamanho, que em 1950 os Demônios da Garoa se tornaram um dos destaques do elenco fixo de conjuntos da Record, ao lado de Vagalumes do Luar e Regional do Armandinho.
Vale o destaque de que em 1949, os Demônios da Garoa gravaram a música “Muié Rendeira”, interpretando-a ao lado de Homero Marques, na trilha sonora do filme “O Cangaceiro”, de Lima Barreto, campeão do Festival de Cannes (Melhor Filme de Aventura em 1953), onde conheceram Adoniran Barbosa.
Ao completarem sete anos de carreira, os Demônios da Garoa entram pela primeira vez num estúdio de gravação.
A música “Malvina”, de Adoniran Barbosa, consagrou os Demônios da Garoa como título de “Campeão do Carnaval de 1951” no Concurso de Músicas do Carnaval Paulista, promovido pela Folha da Tarde em conjunto com a loja Rádios Assunção Ltda,.No ano seguinte, a dose se repetiria, mas dessa vez com a música “Joga Chave” também de Adoniran Barbosa.
Os Demônios da Garoa conquistaram sucesso e o respeito nacional com os famosos sambas “Saudosa Maloca” e “Samba do Arnesto”, ambos de Adoniran Barbosa e apresentados pela primeira vez no programa de Manuel da Nóbrega, na Rádio Nacional de São Paulo em 1953.
Essas músicas só seriam gravadas no ano seguinte e fariam estrondoso sucesso no Programa do Chacrinha, já que Abelardo Barbosa quis mostrar para o Brasil quem eram esses caras de São Paulo que cantavam “Saudosa Maloca”, uma vez que os sambas daqueles endiabrados garotos eram sucesso no Brasil e ninguém nunca os tinham vistos.
“Saudosa Maloca” e “Samba do Arnesto” fizeram um surpreendente sucesso no país, tornando-se um marco na carreira dos Demônios da Garoa, ao conquistarem mais dois feitos históricos para a época:
– permanecer por um ano e meio seguido nos primeiros lugares da parada de sucesso musical;
– ter conquistado estrondoso sucesso nos dois lados de um mesmo disco, o que era raro naquela época.
Dez anos mais tarde, os Demônios da Garoa surpreenderam novamente o Brasil, com o estrondoso sucesso “Trem das Onze”, que proporcionou-lhes muitas honrarias e homenagens, como: o 1º “Disco de Ouro” , “Troféus” e “Medalhas”.
Vale o destaque que o mais importante foi o “1º Prêmio de Músicas Carnavalescas do IV Centenário do Rio de Janeiro”, justamente no ano em que o Rio de Janeiro comemorava o quarto centenário de sua Cidade, era considerado dono do melhor carnaval do mundo, e dizia que São Paulo era o túmulo do samba.
Contrariando isso, os Demônios da Garoa venceram o Carnaval de 1964 no Rio de Janeiro, e conseguiram provar que São Paulo também tinha o que mostrar em matéria de Música Popular Brasileira.
Aos 60 anos de carreira, o sucesso infernal conquistado pelos Demônios da Garoa é eternizado na Festa de Comemoração dos 450 anos de São Paulo, realizada no ano de 2000, onde uma pesquisa interativa realizada durante o aniversário da cidade com os leitores da Folha Online, apontou:
Em 1º lugar: Demônios da Garoa como a Personalidade que mais tem a cara de São Paulo, com 28% dos 2.191 votos, e em 2º lugar: “Trem das Onze”, eleita a 2ª melhor trilha sonora ou música-tema da Cidade de São Paulo, com 25% dos votos, perdendo somente para “Sampa”, campeã com 37% dos votos.
O jeito peculiar com que os Demônios da Garoa interpretam suas músicas foi pensado para tentar se destacar dos demais conjuntos da época. E a ideia surgiu de Arnaldo Rosa, criador do estilo “gaiato”, que une a forte influência italiana da Mooca (forte sotaque italiano e um português “macarrônico”), com a observação do comportamento e linguajar dos engraxates da Praça da Sé e da Praça Clóvis, que faziam batucadas em suas caixas e queriam “falar difícil”, mas não conseguiam disfarçar seu jeito malandro e seus erros de concordância e pronúncia.
Outro destaque é a maneira peculiar que cada componente incorporou ao tocar seu instrumento, criando novos efeitos musicais não utilizados, fazendo uso de instrumentos incomuns para a época (como o violão tenor) e explorando o cavaquinho, o pandeiro e o violão 7 cordas, sempre presentes na marcação do ritmo.
Mas a criatividade dos Demônios da Garoa não parou por aí. Forma eles quem criaram as famosas introduções de suas músicas, que para eles, era de grande importância.
Fazendo uso de muita irreverência e humor, rechearam seus sambas com “pans pãns pãns pãns”, “pas calin gun dum” e “quais quais quais”, dando origem ao que chamamos hoje de verdadeiro “Samba Paulista”, que conquistou a expressão e o sucesso nacional.
O Estilo “Gaiato” unido às fabulosas introduções dos sambas e seu jeito único de tocar suas músicas, firmou-se como identidade inconfundível dos Demônios da Garoa. Mas essas inovações não foram aceitas de imediato e os Demônios da Garoa encontraram bastante dificuldade para conseguir uma gravadora que tivesse a coragem de lançar um disco com músicas cheias de erros de português.
Em 1994, os Demônios da Garoa entraram para o Guinnes Book – Livro dos Recordes Brasileiro, como o “Conjunto Vocal Mais Antigo do Brasil em Atividade” e com o maior tempo de atividade. Os Demônios da Garoa foram homenageados pelo Prefeito do Município de São Paulo, Paulo Maluf, em 1994, ano em que regulamentou através do Decreto nº 34.500, a Lei Municipal nº 11.430 de 25 de outubro de 1993, que institui a “Semana Demônios da Garoa”.
Nesta ilustre semana, vários nomes de nossa Música Popular Brasileira prestam sua homenagem aos virtuosos Demônios da Garoa, com shows oferecidos gratuitamente à população, e aos homenageados, que fazem também realizam seu show no último dia, encerrando a semana com chave de ouro.
A semana foi inaugurada na Biblioteca Oney de Alvarenga, sob a organização da Seção de Programação Cultural Divisão de Bibliotecas que contou com o show dos Demônios da Garoa, seguido de uma belíssima exposição das honrarias recebidas pelo conjunto ao longo de seus 50 anos de carreira.
Atualmente, a “Semana Demônios da Garoa” acontece no Centro Cultural de São Paulo, na sala Adoniran Barbosa, sempre no mês de setembro de cada ano.