No texto de hoje, tentei contar a história de um importante movimento trabalhista que marcou época na década de 50. Para ser mais exato, foram dois movimentos: um em 1953 e um em 1957. O de 1957, contarei em um texto separado. Os dois contaram com intensa adesão dos trabalhadores e fizeram história no que podemos chamar de “luta sindical’ (no melhor sentido da expressão) paulista.

A primeira greve, que mobilizou 300 mil trabalhadores, começou no dia 18 de março de 1953, quando os funcionários descontentes fizeram uma passeata chamada de “Panela Vazia”, onde 60 mil pessoas saíram da Praça da Sé em direção ao Palácio dos Campos Elíseos, antiga sede do governo estadual, exigindo reajustes salariais.

Essa movimentação foi o embrião da insatisfação que estouraria de fato uma semana depois, quando a greve paralisou São Paulo. O movimento duraria quase um mês, resultando em um aumento salarial de 32% dos trabalhadores.

Abaixo, além do recorte, transcrevo parte do jornal O Correio Paulistano, de 19 de março de 1953.

“Varios milhares de trabalhadores dirigiram-se ontem ao governador

Ordeira, a manifestação popular – “meeting” nos jardins dos Capos Eliseos – Palavras do Professor Lucas Nogueira Garcez

Muito embora se saiba ter sido movimento da tarde de ontem planejado, organizado e orientado por elementos notoriamente interessados em provocar agitação e mal estar social, as raízes do descontentamento que reuniu a densa massa popular são mais profundas que a pura e simples insuflação comunista.

O custo vida em ascensão constante, a ameaça de desemprego consequente da falta de energia elétrica e a materia prima para as industrias, tudo isso representa fatos cujo acumulo resulta em demonstrações como a de ontem.

Atribuir o descontentamento e os protestos do povo simplesmente a ação de agitadores, é desconhecer a situação real e que nos encontramos, situação gravíssima, como ainda há pouco frisou o sr. Negrão de Lima, ministro da Justiça.

Consequência da crise que atravessamos é o campo aberto a ação dos agentes provocadores, pois mesmo funcionando na ilegalidade, poucas vezes o PCB encontrou terreno tão propício para incitar revolta e agitação como agora, quando nos encontramos justamente no limiar da gravíssima crise econômica.”.

E a agitação não parou por aí. Em 28 de março de 1953, o mesmo Correio Paulistano alertava sobre o aumento e o alastramento da greve (quem quiser ler o relato completo, a referência encontra-se no final do texto).

“Alastre-se o movimento paredista

Instaurado o dissidio coletivo “ex-officio” – Dirigem-se os grevistas ao Governador do Estado – Não ha perturbação de ordem

Ganhou corpo ontem o movimento grevista encetado pelos texteis e metalurgicos. Na parte da manhã, paralisaram-se mais os seguintes estabelecimentos fabris da industria de fiação e tecelagem: Urca, Brasília, Lengitex, Tecelagem Brasil, Beiruth, Sto. Antonio, Sta. Branca, Branca de Neve e Aziz Nader.

Empregados dessas indústrias afluem parao salão de danças da Rua da Mooca, 1060, o quartel general dos tecelões em greve.

Por volta das 17 horas da tarde de ontem, reinava grande animação entre os grevistas ali congregados, por chegarem notícias informando que parara de trabalhar a Companhia Paulista de Aniagem, o Lanifício Paulista, Lanifício Inglês e a Fábrica Pavam. Estas novas adesões aumentam o bloco dos grevistas em cerca de 2.000 trabalhadores.

Calmaria

De maneira geral, a situação é de calma, absoluta do lado dos metalúrgicos, e com pequenos atritos entre os tecelões e a polícia. A comissão de libertação dos presos constituída pelos texteis tem no entretanto trabalhado incessantemente, providenciando a soltura imediata, quando não por “habeas corpus”, para os associados detidos.”.

Os contingentes de cavalaria que cercavam a sede dos sindicatos dos texteis foram retirados e o policiamento, embora intenso, não é tão ostensivo quanto o de anteontem. Embora tenha aumentado de proporções, a greve prossegue em caráter pacífico.”.

A grande cobertura da época traz episódios curiosos, como o do dia 29 de março, onde Gaspar Rodrigues, de 19 anos, foi preso ao sair da Tecelagem Textilia, na Avenida Celso Garcia.

O grevista, segundo o Departamento de Ordem e Política Social (DOPS), estava boletins contendo instruções para os grevistas, que incluíam confrontos com a polícia e depredações; além da instrução para que os grevistas utilizassem as “bombas Molotov” (o operário estaria, inclusive com a fórmula para o preparo do explosivo).

O jornal, o mesmo Correio, ainda destacava na matéria do dia 29 que o movimento era muito menor do que o bradado até aquela época: os grevistas falavam em 200 mil, mas o jornal garantia que eram apenas 23.137 pessoas em greve.

Além disso, já alegavam que os grevistas eram incentivados por agitadores comunistas, que queriam destruir a ordem social da cidade.  

Com prisões ou não, fato é que a greve foi se popularizando e se mantendo ativa, digamos assim, por São Paulo. O próprio Dops lançou um “comunicado” sobre o movimento e os jornais continuaram dando cobertura sobre o desenrolar do movimento.

Vale aqui uma ressalva importante para que não pendamos para nenhum lado desse acontecimento histórico e o tratemos como o foi: um acontecimento histórico.

Na matéria consultada da Folha, foram resgatados dados da Fundação Getúlio Vargas que justifica, em partes, a greve de 53.  No período entre 1943 e 1951, o custo de vida em São Paulo aumentou em 100%, contra 14% de reajuste no salário-mínimo. Ou seja, os trabalhadores que ganhavam menos, perdiam poder de compra em um ritmo muito acelerado, fazendo com que as necessidades básicas ficassem comprometidas no longo prazo.

Essa era a principal “briga” dos grevistas, embora outros setores tenham tentado diminuir a importância do movimento, como foi o caso do setor de massas alimentícias, na figura de seu presidente, que chegou a declarar que não via motivos para a greve dessa magnitude.

Diversas reuniões foram agendadas para resolver essa questão o quanto antes. No dia 1º de abril, por exemplo, foi realizada a primeira reunião para o dissídio, que acabou sem a assinatura de nenhum acordo.

A situação da discussão foi simples: os grevistas pediam 60% de reajuste, o sindicato patronal não ofereceu nada, mas deixava claro nessa reunião que não podia arcar com o valor pedido pelos trabalhadores das indústrias têxteis. O Tribunal Regional do Trabalho, por sua vez, levantou que o custo de vida entre os anos de 1951 e 1952 havia subido 23% e sugeriu esse o valor como o conciliatório para findar a greve.

Jornal carioca destacando o movimento paulista

Como citado, nada foi assinado e nem concordado por ambas as partes. Apesar de algum clima de repressão e “medo” de estar na “ilegalidade”, os sindicalistas mobilizaram grande parte da população, conquistando sua simpatia e entendimento pela luta, afinal, o arrocho salaria afetava rigorosamente as classes mais baixas.

Outros sindicatos, inclusive, ofereceram apoio aos grevistas. O dos médicos, por exemplo, chegou a oferecer assistência gratuita aos integrantes do protesto. Vale dizer que, com o passar dos dias, alguns sindicatos foram atingindo seus objetivos. Em 2 de abril, os metalúrgicos conseguiram um aumento de 23% sobre a folha de 1952.

Após quase um mês, como citamos, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT), acabou mediando um acordo, de 32% de aumento, que findou a greve entre os dias 21 e 23 de abril.  No dia 21 de abril, inclusive, foi assinado o acordo final com o sindicato que representava os trabalhadores do setor têxtil, no Hipódromo da Mooca, que contou com centenas de pessoas no seu entorno.

O sindicato dos metalúrgicos, por sua vez, fechou o acordo em 23 de abril, mas relatos dão conta de que já nos primeiros dias pós greve, diversos trabalhadores foram demitidos. A greve, de maneira geral, terminava com um saldo “positivo” para os manifestantes, que conseguiram algum aumento e puderam voltar às suas atividades de maneira relativamente tranquila.

Abaixo, os recortes: alguns repetidos, do que encontramos de mais curioso sobre a greve:

Referências: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0601200405.htm

http://memorialdademocracia.com.br/card/greve-geral-para-sao-paulo

Jornal O Correio Paulistano  de 28 de março de 1953: http://memoria.bn.br/docreader/090972_10/15321

Jornal O Correio Paulistano de 29 de março de 1953: http://memoria.bn.br/DocReader/090972_10/15323

Jornal O Correio Paulistano de 16 de abril de 1953: http://memoria.bn.br/DocReader/090972_10/15549

Jornal O Correio Paulistano de 23 de abril de 1953: http://memoria.bn.br/DocReader/090972_10/15648

One Comment

  1. Por favor, sou servidora do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª região (Paraná). Estamos elaborando uma exposição virtual em comemoração ao dia da Memória do Judiciário (10 de maio). Gostaria de utilizar a imagem (fotografia) da greve dos 300 mil publicada neste site. Por favor, poderiam me orientar quanto à autorização.

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