Texto publicado originalmente em 18 de setembro de 2013 e atualizado 30 de junho de 2022
A cidade de São Paulo já teve um dos maiores presídios da história do país, o Carandiru. Os vários pavilhões que marcaram por décadas a paisagem da Zona Norte passaram por momentos altos e baixos: o presídio que chegou a ser modelo de gestão e recuperação de criminosos, foi palco de um dos maiores massacres da história do Brasil.
A Casa de Detenção de São Paulo, nome oficial do presídio, foi construída de acordo com as normas do Código Penal Republicano de 1890 e do chamado “Direito Positivo” da época. A ideia era que as humilhações públicas e as torturas fossem deixadas de lado para que a disciplina fosse aplicada aos infratores para que pudessem voltar a conviver em sociedade após o cumprimento de suas penas.
Vale o destaque que essa nomenclatura, Casa de Detenção, foi uma exigência do interventor federal Adhemar Pereira de Barros que, em 5 de dezembro de 1938, pelo Decreto Estadual nº 9.789, extinguiu a Cadeia Pública e o Presídio Político da Capital.
A construção
Para entender como São Paulo construiu um dos maiores presídios da América Latina é preciso conhecer o contexto do sistema prisional do começo do século XX.
Por mais estranho que pareça, as “Casas de Regeneração” eram funcionais e costumavam devolver os ex-detentos em boas condições para viver em sociedade. Para se ter uma ideia, até um chefe de polícia da cidade de Nova York, chamado A. Enright, veio conhecer os procedimentos e métodos aplicados pela justiça brasileira.
No ano de 1905, quando o presidente do estado de São Paulo era Jorge Tibiriçá Piratininga, foi autorizada a construção de uma nova Casa de Detenção. Anos depois, no dia 13 de maio de 1911, o então presidente de São Paulo, Albuquerque Lins, lançou a pedra fundamental do que era chamado “presídio-modelo”.
A intenção era separar réus primários de presos reincidentes e segregar os condenados de acordo com a natureza do delito. Dessa forma, foi dada a largada do projeto. Nenhuma fonte é precisa a ponto de dizer de quem é o projeto final.
A versão mais veiculada pela imprensa paulistana é que o projeto do presídio foi elaborado pelo engenheiro-arquiteto Giordano Petry, inspirado no Centre Pénitentiaire de Fresnes, na França, no modelo “espinha de peixe” (que ainda existe e funciona até hoje). Outra versão diz que Samuel Stockler das Neves foi o autor do projeto que, mais tarde, sofreria alterações do escritório de Ramos de Azevedo.
A penitenciária foi erguida e inaugurada no dia 21 de abril de 1920 e, por muitos anos, foi um dos cartões postais da cidade. A obra que, no começo, estava orçada em 7.000 contos de réis, acabou saindo pelo dobro do preço: 14.000 contos, valor extravagante para a época. Contudo, com a obra encerrada, os valores não foram contestados.
Após a inauguração e começo das operações, autoridades e intelectuais do mundo todo vieram conhecer e entender os processos pelos quais os detentos passavam.
Entre as visitas mais importantes, vale destacar a de Claude Lévi-Strauss e Stefan Zweig, que em 1936, disse em seu livro, “Encontros com homens livros e países”, que: “a limpeza e a higiene exemplares faziam com que o presídio se transformasse em uma fábrica de trabalho” e que: “Eram os presos que faziam o pão, preparavam os medicamentos, prestavam os serviços na clínica e no hospital, plantavam legumes, lavavam a roupa, faziam pinturas e desenhos e tinham aulas.”
Estima-se que os presos daquela época possuíam uma rotina de exercícios, trabalhos, estudos e, até mesmo, bandas de música. Contudo, após 20 anos a situação ia piorar.
A superlotação, o Complexo do Carandiru e o massacre
A penitenciária acabou atingindo a capacidade máxima com 20 anos de operação, em 1940, com 1.200 presos alocados. Em uma das tentativas de suportar a demanda, Jânio Quadros construiu um aparelho anexo, a Casa de Detenção, em 1956, aumentando a capacidade para 3250 presos.
A partir de então, os governos começaram a “tapar o sol com a peneira” e, em 1973, foi inaugurada a Penitenciária Feminina e, em 1983, começou a operar o Centro de Observação Criminológica. Todos esses edifícios juntos tornaram-se o Complexo Penitenciário do Carandiru.
Com essa mudança, o Carandiru perdeu sua vocação inicial e se tornou um exemplo do fracasso da administração pública. A situação e a condição do presídio eram horrorosas, o que favorecia a explosão de rebeliões. Várias delas ficaram famosas, mas nenhuma ficou tão famosa quanto a de 1992.
No dia 2 de outubro daquele ano, por volta da 13h30, uma briga entre dois detentos aconteceu do lado de fora das galerias, próximo do pavilhão 9. A situação ficou bastante tensa e fugiu do controle. Dois presos acabam feridos e os funcionários não conseguiram acalmar os ânimos dos detentos.
Por volta das 14h30, o alarme foi acionado e a Polícia Militar (PM) foi chamada para resolver a situação. Meia hora depois, chegaram autoridades penitenciárias e um grande contingente da PM. Três juízes estavam presentes e o governador do Estado, na época Luiz Antonio Fleury Filho, que estava em Sorocaba, foi avisado pelo secretário Cláudio Alvarenga, sobre a rebelião.
Enquanto o governador e seu secretário conversavam, o diretor do presídio, José Ismael Pedrosa, tentou uma negociação com os detentos para acalmar os ânimos e evitar danos maiores. A negociação não deu certo e diversos diretores foram retirados pela PM do local. A partir das 16h15, começou a invasão do Complexo do Carandiru. Segundo o governador Fleury, o secretário de Segurança Pública, Pedro Franco de Campos, autorizou a ação da PM que, mais tarde, se transformaria em uma carnificina.
Os primeiros disparos foram ouvidos a partir das 16h25, cinco minutos depois, Ubiratan Guimarães, um dos líderes da PM, foi retirado ferido do local. Boatos dão conta que, naquele momento, informaram os soldados que estavam na operação que o coronel havia morrido.
A invasão prosseguiu e a tropa da polícia passou pelo térreo sem deixar nenhum morto, diferente do que aconteceria nos outros pavimentos. O primeiro andar, que foi explorado pelas Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA), sob o comando de Ronaldo Ribeiro dos Santos, acabou sendo “limpo” ao custo de 15 vidas.
O segundo andar também foi invadido pela ROTA sob o comando de Valter Alves Mendonça. O saldo final da operação policial foi de 78 mortos. O terceiro pavimento ficou a cargo do Comando de Operações Especiais (COE), que acabou matando mais 8 presos sob o comando de Arivaldo Sérgio Salgado. O saldo do quarto andar foi de 10 mortes, sob o comando de Wanderley Mascarenhas de Souza e sua equipe do Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE).
Exatamente às 16h45 os tiros cessaram e um silêncio nefasto tomou conta do local. As cinco e meia, para que ocorra uma revista geral, a PM ordena que os presos do Carandiru tirem suas roupas e corram nus para o pátio do Complexo. Segundo relatos, alguns detentos foram selecionados para carregar corpos dos mortos através do Pavilhão 9 e, quase ao mesmo tempo, o governo do Estado falava em 8 mortos em toda a operação. À meia noite os detentos voltaram às celas e diversos corpos ainda foram retirados do presídio.
A Polícia Militar se retirou do Complexo às quatro e meia da manhã e, por volta das quatro da tarde, o governo anunciou o saldo final da operação: 111 mortes. Curiosamente, esse número é revelado faltando meia hora para o primeiro turno das eleições municipais acabarem. A título de curiosidade, estiveram envolvidos na operação, segundo o Processo Criminal: 321 policiais, 25 cavalos e 13 cães da PM. A PM usou 363 armas e, durante a operação, foram apreendidos 13 revólveres, 165 armas brancas, 25 pedaços de ferro, 1 marreta de ferro e drogas de vários tipos.
O ex-governador Fleury, vários anos depois, negou que tivesse dado a ordem para que a PM invadisse o local. Algumas lendas acabaram cercando esse massacre. Uma delas dá conta que o número de mortos foi muito maior e que, alguns corpos, foram descartados em caminhões de lixo.
Outros boatos falam que o PCC, que até então era um time de futebol que disputava torneios internos na cadeia, começou a se organizar a partir desse massacre e começou suas ações em resposta ao acontecimento. Diversos artigos foram escritos sobre esse assunto sendo que um da Professora da Universidade Federal do ABC e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), Camila Dias, diz que:
“O PCC é, sem dúvida, o principal efeito do massacre. Não apenas deste evento isolado, mas da política de segurança daquela época, marcada pela violência institucional, pelo desrespeito aos direitos e pela arbitrariedade do Estado“
Os resquícios e a desativação
Após esses acontecimentos, o Massacre do Carandiru, como ficou conhecido o episódio, virou inspiração para diversas músicas e protestos contra as autoridades. A mais famosa dessas músicas é a canção “Diário De Um Detento”, do grupo Racionais MC’s. Em 2000 foi criado o grupo 509-E no interior do presídio, em “homenagem” à cela onde os integrantes do grupo se conheceram.
O grupo gravou dois álbuns dentro do Complexo e conseguiram um relativo sucesso obtendo uma vendagem alta de cópias para o mercado brasileiro. Além disso, Drauzio Varella escreveu o romance Carandiru, contando sua impressão de dentro da Casa de Detenção, onde era voluntário.
A partir de 2002, iniciou-se o processo de desativação do Carandiru, com a transferência de detentos para outras unidades. No dia 8 de dezembro desse ano, três pavilhões da Casa de Detenção foram implodidos às 11 horas, como previsto. No ano de 2014, o processo de julgamento do Massacre teve fim e 73 policiais militares foram condenados.
A detonação dos 250 quilos de explosivos, distribuídos por três mil pontos dos pavilhões 6, 8 e 9, foi feita pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e pelo ministro da Justiça, Paulo de Tarso. A queda dos prédios demorou sete segundos.
O governo do estado construiu um grande parque no local, o Parque da Juventude, além de instituições educacionais e de cultura. Um de seus pavilhões foi reaproveitado para ser instalado no edifício a Escola Técnica Estadual do Parque da Juventude, popularmente chamada de Etec Parque da Juventude.
Para quem quiser entender um pouco mais de como era a vida dentro do presídio, fica a recomendação de duas resenhas das duas obras do Dr. Drauzio: a estação Carandiru e o Carcereiros.
Muita gente ainda é inconformada com a implosão do Carandiru. Acham que aquele barril de pólvora deveria ter permanecido onde e como estava. Uma autêntica penela de pressão prestes a explodir. Muita gente acha que, por ser a ‘mais rica’ São Paulo deve receber e carregar nas costas todos os problemas do Brasil.
Porém, a maior atrocidade cometida no Carandiru foi quando inaugurou-se ali um belíssimo parque. Alguém teve a infeliz ideia de mudar o nome do local para um insipido ‘parque da Juventude’. A referência urbana e – pior – a memória da cidade foi apagada. Talvez a intenção tenha sido apagar o passado tenebroso do presídio, coisa que só o tempo é capaz de fazer.
Em Aushwitz por exemplo, ninguém cogita mudar o nome do campo de concentração. Muito pelo contrário, ele está lá exatamente como era durante a 2ª Guerra. Os europeus sabem que a história existe para ensinar, não para ser esquecida.
Bem próximo de onde era o presídio foi feito um museu que conta um pouco da história do Carandiru… vale a pena conhecer
A implosão da Casa de Detenção de SP, não resolveu o problema do sistema carcerário, muito pelo contrário hoje existe superlotação e falta de vagas nos CDPs criados para substituir o Carandiru.
O Carandiru não acabou.
O Carandiru acabou, mas não acabou pra que quem cometer o crime, vai preso, vai sofrer.
Por quê não reformou em vez de implodilo?
Deveria ser reformado, nem que ficasse 2 a 10 anos desativados, deveria ser bem reformado com uma excelente segurança máxima e que não fosse implodido este local. Pois custou uma fortuna essa penitenciária na época quando inaugurou. Pra mim deveria ter passados por várias reformas estruturais e com muita estrutura de segurança. Nem que fosse e duraria de 2 a 10 anos desocupado este local, aí voltaria à recebê-lo novamente os detentos.