O maior e mais luxuoso cinema da América Latina: a história do Cine Marrocos

Inaugurado no dia 25 de janeiro de 1951, como o “maior e mais luxuoso cinema da América Latina”, o Cine Marrocos é a representação do glamour e decadência do Centro de São Paulo. 

De início, os fornecedores faziam questão de destacar o trabalho que prestavam ao cinema. Anúncios em jornais, revistas, descritivos de como seus serviços integravam o espaço são apenas alguns exemplo de como o Cine Marrocos mexeu com o conceito de cinema na cidade.

A infraestrutura do Cine Marrocos era grande e luxuosa: dois mil lugares, ar-condicionado, poltrona reclinável e um bar. A entrada tinha mármore branco e exalava “riqueza”, característica de uma sociedade paulista que gostava de ostentar. O Cine Marrocos era  de propriedade da Construtora Brasília, sendo que o engenheiro Nelson Paulo Scuracchio e o arquiteto João Bernardes Neto os responsáveis pela construção do edifício. 

A construção dessa sala de cinema mexeu com a cidade: a sociedade esperava pelo lançamento do espaço. Quando estava pronto, sua inauguração, realizada em fevereiro de 1951, foi um sucesso e o primeiro filme exibido no espaço foi “Memórias de um Médico”, produção de Edward Small, com Orson “Welles” a Nancy Guild. 

O I Festival de Cinema do Brasil

No dia 24 de maio de 1952 através do jornal “Cine Reporter: Semanario Cinematografico” foi anunciada a criação da Comissão Preparatória, responsável por redigir os estatutos e propor as medidas iniciais para a realização do Festival de Cinema do Brasil, quer seria realizado no ano de 1954, data do IV Centenário da fundação da cidade de São Paulo. 

Os ministros da época, Simões Filho (Ministro da Educação) e João Neves da Fontoura (Relações Exteriores), foram os responsáveis para dar o caráter oficial à comissão.

As justificativas para que o evento se realizasse no Brasil foram das mais diversas: a importância do cinema na vida cultural moderna, levando em conta a educação e o aspecto artístico e a obrigação do governo em estimular atividades culturais.

Já no fim do ano, o mesmo veículo, Cine Reporter, soltou uma nota a respeito da liberação de recursos provenientes do governo federal, liderado pelo então presidente Getúlio Vargas: 10 milhões de cruzeiros. Em 21 de fevereiro de 1953, a comissão estabeleceu a data do festival: 12 a 26 de fevereiro de 1954. O Cine Repórter destaca ainda que, pós-festival, os convidados poderiam embarcar para o Rio de Janeiro para curtir o Carnaval. 

Pouco tempo depois, em 28 de março, o festival foi oficialmente lançado, como podemos ver o recorte do jornal Cine Repórter abaixo: 

No dia 12 de fevereiro de 1954, com a presença de autoridades e delegações de vários países da Europa, foi realizado o I Festival de Cinema do Brasil. O Cine Marrocos, com toda pompa e luxo, foi escolhido como sede do evento. A imprensa cobriu o lançamento destacando as delegações que vieram prestigiar o Festival e os filmes que fizeram parte das exibições.

O festival foi um sucesso com a chegada de diversas delegações, como as da França, Suíça, Peru e de grandes diretores, como Eric Von Stroheim. Vale dizer que, entre os filmes exibidos, estavam clássicos como “O Crepúsculo dos Deuses”, de Billy Wilder, “A Grande Ilusão”, de Jean Renoir, e “Noites de Circo”, de Ingmar Bergman.

Desativado e ocupado

Com o passar dos anos e a mudança do comportamento das pessoas, os cinemas de rua passaram a perder visitantes. Com o Cine Marrocos não foi diferente. Aos poucos, por desinteresse do público e por falta de cuidado do poder público com a segurança dos cinemas de rua, o Marrocos foi perdendo glamour.

Em 1994 o espaço foi desativado e em 2010 desapropriado pela Prefeitura de São Paulo. Pouco tempo depois, em 2013, foi ocupado pelo Movimento dos Sem Teto do Sacomã (MSTS) e passou a abrigar brasileiros sem teto, imigrantes latino-americanos e refugiados africanos.

A ocupação, inclusive, foi tema de um filme de Ricardo Calil, chamado Cine Marrocos, que estreou nos cinemas em 2021. Aqui vale uma curiosidade: na ocasião da visita de Calil, o local estava ocupado por 2 mil sem-teto de 17 países, dormindo em quartos provisórios e em constante ameaça de despejo pela prefeitura. Unindo passado e presente, realidade e ficção, o cineasta e sua equipe decidiram reabrir o teatro para exibir, novamente, os filmes do festival de 54.

Somado a isso, propuseram uma oficina de teatro para os moradores do antigo cinema. No final do processo, eles reencenaram cenas icônicas dos filmes que assistiram e reinventaram papéis famosos de estrelas do cinema como Gina Lollobrigida, Vittorio de Sica, Gloria Swanson e Harriett Anderson. No ano de 2016, os sem-teto deixaram o espaço em uma reintegração de posse.

O prédio do Cine Marrocos está localizado na Rua Conselheiro Crispiniano – nº 397, no centro da capital de São Paulo.

Referências

Criação da comissão organizadora do Festival em 1952 (Cine Reporter):http://memoria.bn.br/DocReader/085995/2308

10 milhões para o Festival de Cinema do Brasilhttp://memoria.bn.br/DocReader/085995/2682

Data para o festival: http://memoria.bn.br/DocReader/085995/2809

Decreto criando a comissão executiva:http://memoria.bn.br/DocReader/085995/3076

Lançado, oficialmente, o festival: http://memoria.bn.br/DocReader/085995/2841

Hollywood comparecerá:http://memoria.bn.br/DocReader/085995/2436

Cine Anchieta e mais detalheshttp://memoria.bn.br/DocReader/085995/2461

Concluída a fase preparatóriahttp://memoria.bn.br/DocReader/085995/2853

França e Suíça aderem ao festival de cinema:http://memoria.bn.br/DocReader/085995/3204

Peru decide participar:http://memoria.bn.br/DocReader/085995/3206

Eric Von Stroheim comparecerá ao festival:http://memoria.bn.br/DocReader/085995/3277

Crítica ao festival:http://memoria.bn.br/DocReader/085995/3356

Detalhes do festival:http://memoria.bn.br/DocReader/093351/30187