Uma das livrarias mais tradicionais do Brasil foi a Saraiva. Fácil de encontrar, com unidades em todos os shoppings, essa empresa marcou gerações de leitores pelo Brasil. Lembro de, muito pequeno, passear por horas dentro desses estabelecimentos com meu pai. E sempre em busca de uma nova história.
O começo dessa empresa é datado de 1914, quando Joaquim Ignácio da Fonseca Saraiva, um dos muitos imigrantes portugueses que vieram ao Brasil em busca de oportunidades, fundou uma pequena livraria para comercializar livros usados.
O endereço dessa livraria era o Largo do Ouvidor, no Centro. Por sua proximidade com a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, aliado à curiosidade de Joaquim pela literatura jurídica, o local recebeu o nome de Livraria Acadêmica e com o tempo passou a ser uma referência em livros desse tipo.
Vale dizer que os livros sempre foram um marco na vida de Saraiva. Com a morte de sua mãe aos 12 anos, o pequeno encontrou nos livros que podia pôr as mãos, um consolo para seguir a vida. Importante lembrar que a livraria começou de um sonho, tanto de Joaquim, mas especialmente de Henriqueta, sua esposa. Ela acreditava que havia se casado com um homem que tinha potencial para ser patrão e não empregado.
Assim, quando a Acadêmica abriu suas portas, Henriqueta foi quem cuidou da parte financeira do negócio, como já havia feito antes, e um de seus filhos, Paulino, foi o primeiro funcionário. Na mesma década da fundação ,em 1917, Joaquim editou o romance “Casamento Civil”, dando um importante passo para a área editorial.
Isso mudaria nos anos 50, quando a empresa deu prioridade para a área jurídica e depois se especializou em novos mercados: livros didáticos, retomando a edição de volumes (como Joaquim havia feito com o Casamento Civil), literatura em geral, ciências, etc.
Há um pequeno folclore sobre Joaquim. Durante algum tempo, dizia-se que ele lia todos os livros antes de colocá-los nas estantes e que sempre sabia o que indicar para seus clientes. Esse hábito, inclusive, era recorrente para os livros da faculdade de direito. O livreiro tinha até “autorização” para indicar volumes para a matéria de Direito Judiciário Civil.
Em um ano letivo, ao ter de indicar fontes para o estudo, o professor emérito se limitava a dizer aos alunos: ‘– Quanto a livros para estudo, deixo de indica-los porque sei que o Saraiva muda completamente a orientação da Cadeira…’”. Além de muito inteligente, também era afável e carinhoso com os amigos e clientes. A fama de ser um boa praça pegou na cidade e, o professor e jornalista Paulo Duarte, fez um soneto em sua homenagem.
Outra boa “sacada” de Saraiva foi a criação de um sistema informal de crédito, onde os estudantes que não podiam pagar pelos livros, iam ao local, preenchiam uma ficha e levavam os volumes. Saraiva acreditava que quando esses estudantes tivessem condições, voltariam para pagar.
E isso acontecia. Os jovens, já formados voltavam para saldar as dívidas e se ofereciam para pagar juros, o que era prontamente negado. O proprietário garantia: tinha uma livraria e não um banco. Devido aos relacionamentos que construiu durante a vida, Saraiva ganhou o carinhoso apelido de Conselheiro, pelo qual ficou conhecido.
Mais tarde, nos anos 40, a livraria passou a editar livros de ciências. E tudo isso foi feito com uma boa pesquisa de mercado que o livreiro fez à época, indo para as Escolas Normais e entendendo o que era preciso para cada ano de ensino.
Além disso, foi nessa década em que a livraria abriu para sua primeira noite de autógrafos. E foi para ninguém menos do que Érico Veríssimo, com seu romance Saga. Pouco tempo depois, em 1944, aos 73 anos, Saraiva faleceu. Em 1971, a Congregação da Faculdade de Direito da USP reuniu-se em sessão solene para homenagear o centenário de nascimento do Conselheiro.
Foi inaugurada também uma placa comemorativa com o nome do livreiro, caso único concedido a alguém que não havia passado pela Faculdade de Direito, ao lado daquelas homenagens que relembram nomes de poetas, estadistas que ali estudaram. A concorrida cerimônia contou com a presença de alunos, ex-alunos, professores, personalidades do mundo jurídico, do Coral Acadêmico XI de Agosto e familiares de Joaquim Saraiva.
Infelizmente, com o passar dos anos, a Saraiva foi enfrentando dificuldades e sofreu para se adaptar aos novos meios de consumo de livros. Hoje já são raras as livrarias com esse nome serem vistas abertas.
Livro – 100 anos Saraiva
Realmente é uma pena a Saraiva ter tido um fim assim tão melancólico. Eu adorava frequentar as seções de Direito da livraria. Creio que sua decadência começou quando resolveram diversificar e criar aquelas megastores onde se vendiam CDs, DVDs, aparelhos de celular, computadores, artigos de papelaria etc. Mas a história da Saraiva é muito bonita e será sempre lembrada.
Que pena que esta empresa passa por tantas dificuldades, sintomas de um país que lê pouco.