Post inicialmente escrito em 18 de agosto de 2016 e editado em 03/04/2024
João Augusto Conrado do Amaral Gurgel, natural de Franca, interior de São Paulo, foi um engenheiro formado pela Politécnica, a escola da engenharia da USP.
Nascido em 26 de março de 1926, Gurgel foi um importante engenheiro e industrial brasileiro sendo o responsável por, em 1969, montar a Fábrica Gurgel. A fundação dessa empresa, bem como um carro 100% brasileiro, era um sonho que Gurgel tinha desde jovem.
Na Politécnica ele já pensava em colocar em prática o sonho do carro nacional e apresentou a um motor com dois cilindros batizado como Tião. Nesse momento de sua vida, inclusive, após quase ser reprovado, ele ouviu de um de seus professores: “Carro não se fabrica, Gurgel, se compra”.
Após esse “sufoco”, o engenheiro cursou pós-graduação nos Estados Unidos e chegou a trabalhar na Buick Motor Corporation e na General Motors.
No ano de 1958, após voltar ao Brasil, o engenheiro chegou a criar uma empresa que produzia luminosos de plástico para empresas, a Moplast. Co. Com o lucro que ganhava desse negócio, Gurgel investia na fabricação de karts de competição.
Seis anos depois, já em 1964, Gurgel desistiu da Moplast e fundou uma nova empresa, a Macan Veículos, que além de continuar produzindo karts, ainda ajudou com outro objetivo dele: a criação de minicarros para crianças. Ele chegou a produzir mini-Mustangs e mini-Karmann Ghias, com motores de 3 cavalos.
Em paralelo com esse trabalho, Gurgel entrou em contato com a direção da Volkswagen que, ainda em 1964, encomendou a ele um carro para ser apresentado no Salão do Automóvel. O resultado dessa parceria foi o Ipanema, um bugue montado sobre uma plataforma sedã, com motor traseiro e carroceria em fibra de vidro. A ideia, apesar de reconhecida, não conseguiu financiamento para a produção em série.
Meia década depois, Gurgel realizou seu sonho. Com U$$ 50 mil ele fundou a Gurgel Indústria e Comércio de Veículos Ltda., na Avenida do Cursino, número 2.499, região centro-sul de São Paulo e começou a produzir quatro Ipanemas por mês. Além disso, também é dessa época o desenvolvimento de uma estrutura plástica muito resistente que permitiu que o engenheiro parasse de usar as plataformas de Fusca para os seus veículos.
Com essa estrutura minimamente estabelecida, Gurgel migrou para o mercado de jipes nos anos 70. E a ideia foi um sucesso, já que seus veículos ficaram conhecidos pelos desenhos jovens e esportivos, com baixo consumo de combustível e manutenção barata.
Em 1973, Gurgel comprou um terreno na cidade de Rio Claro, no interior de São Paulo, e instalou sua fábrica. Por lá, começou a fabricar o Xavante e, em 1971, sua grande inovação: o Itaipu, pioneiro carro elétrico de uso urbano. Ele tinha capacidade para duas pessoas e usava baterias recarregáveis em tomadas 220v. Nos anos seguintes, seus veículos, especialmente os jipes, foram vendidos para o Exército e a Aeronáutica.
Uma curiosidade: um dos veículos, o X-12, recebeu pedidos de encomendas das forças armadas de vários países e cerca de 25% de sua produção era destinada à exportação. Esses veículos também tiveram destinações curiosas: foram táxis na Bolívia, carro para enfrentar o deserto no Oriente Médico e veículo de turismo no Caribe.
A planta de Rio Claro e a inovação elétrica
A compra do terreno em Rio Claro por Gurgel foi o estopim de uma revolução tecnológica que começou a “pegar” neste fim de 2023, começo de 2024: o carro elétrico e seus pontos de carregamento. A cidade, com 100 mil habitantes e distante 174 quilômetros da capital, foi a “mãe” da legislação para carros elétricos no país (e no mundo).
Segundo a matéria do Jornal da Tarde de janeiro de 1974, ou seja, há 50 anos, “a única preocupação (com o desenvolvimento do carro elétrico) do engenheiro Amaral Gurgel, 47 anos, formado em engenharia automobilística nos Estados Unidos, é que pensem que ele aproveitou a crise mundial do petróleo para lançar um carro que não utiliza esse combustível. O projeto tem oito anos de estudos e só não foi desenvolvido antes porque a patente demorou para ser fornecida.”.
O veículo em questão não tinha câmbio e o motorista só usaria os pedais de freio e acelerador. A autonomia seria de 60 quilômetros e, segundo Gurgel, seria perfeito para cidades pequenas. O carregamento?
Em tomadas comuns de 220 volts ou em postes de carregamento. Vale dizer que, inicialmente, esses postes de carregamento seriam subsidiados pela própria empresa.
Os cálculos do engenheiro previam que o veículo custaria 15 mil cruzeiros e o consumo foi calculado em 15 centavos por cada 10 quilômetros rodados. O motor teria potência de três mil rotações por minuto e as baterias seriam de 72 volts.
O carro teria três metros de comprimento, 1,46 de largura e 1,45 de altura, pesando 485 quilos e com capacidade de carga de 250 quilos. A velocidade não ultrapassaria os 50 quilômetros por hora e o tempo de recarga do carro era de 10 horas. O pequenino parou de ser produzido ainda como um protótipo e as 27 unidades feitas viraram item de colecionador.
O resultado de todo esse planejamento foi o Gurgel Itaipu E150, nome em homenagem à hidrelétrica, e foi apresentado Salão do Automóvel de 1974.
Mais tarde, em 1980, a Gurgel ainda apostou no Itaipu E400, um furgão elétrico que fez parte da frota de empresas brasileiras de eletricidade, como Telebrás e Telesp, mas sua vida foi curta. Tinha o equivalente a 80 km de autonomia e as baterias levavam as mesmas dez horas para serem recarregadas.
O modelo durou até 1982 e teve cerca de mil unidades produzidas.
A primeira legislação para carros elétricos do mundo
Em 1974, com a chegada da inovação de Gurgel, o então prefeito de Rio Claro, Orestes Armando Giovanni considerava a chegada do carro elétrico uma vitória para a cidade que, na visão dele, era arborizada.
Um dos exemplos de legislação municipal para proteger a cidade fica por conta da criação de um distrito industrial, a cinco quilômetros da cidade, que foi autorizado após um estudo da direção dos ventos, para que a poluição não fosse em direção a Rio Claro.
Sobre a legislação dos carros elétricos, ela foi aprovada em 14 de dezembro de 1973 e se tornou a Lei 1.320. O primeiro artigo dessa lei versava sobre os locais especiais para o estacionamento dos veículos elétricos, que autorizava a Prefeitura a criar novas vagas em lugares próximos aos pontos para o carregamento dos carros. As vagas seriam gratuitas.
A lei ainda versava sobre a obrigação da Gurgel de iniciar a construção dos carros no prazo de um ano da publicação da lei. A inovação foi tão bem recebida que até o presidente da CESP, fornecedora de energia elétrica para Rio Claro, se mostrava empolgado com o projeto e, para o começo da fabricação dos veículos, a conta não seria cobrada.
O lançamento do “Cena” e o fim da empresa
No ano de 1985 Gurgel apresentou à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) a ideia do Carro Econômico Nacional (Cena), que recebeu financiamento para a fabricação de protótipos. No ano seguinte, em 1986, o Fusca deixou de ser fabricado, o que abriu caminho para o lançamento do Cena, feito oficialmente em 1987.
Em razão de disputa judicial com a família de Ayrton Senna, o nome do carro mudou e passou a ser chamado de BR-800, sendo o BR de Brasil e o 800 fazendo referência às cilindradas do veículo.
Entretanto, em 1989 foi entregue a milésima unidade do veículo. Em 1990, os problemas começaram a aparecer, já que o incentivo do governo aos carros populares se estendeu aos veículos com até mil cilindradas.
É nesse momento em que a Fiat lança o Uno Mille, com o preço semelhante ao Cena, mas com motor melhor e mais espaço. Enquanto se preocupava com a concorrência e tocava o Cena, Gurgel buscou empréstimos e comprou um terreno no Ceará, para instalar uma fábrica no Nordeste.
Ele teve uma promessa de apoio dos governos cearense, paulista e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Esses apoios não se concretizaram e Gurgel, depois de fabricar mais de 40 mil carros, endividado, foi obrigado a pedir concordata preventiva em 1993.
Em 2009, após oito anos sofrendo com o Mal de Alzheimer, Gurgel faleceu no Hospital São Luiz, na Zona Sul de São Paulo. Como já estava muito doente, Gurgel não teve a oportunidade de entender o fim de sua empresa, leiloada por R$ 15,7 milhões, em 2007, quando a dívida da companhia chegou a R$ 250 milhões.
Amigo, parabéns pelo site e pela lembrança da importante Gurgel e de seu fundador. No entanto, a R. Amaral Gurgel não deve seu nome ao Eng. Gurgel, mas sim a Manoel Joaquim do Amaral Gurgel, padre, ex-diretor da Faculdade de Direito do Lgo. de São Francisco e ex-vice presidente da província de São Paulo, tudo isso ao final do Século XIX.
Abraços!
Você tem 101% de razão. Eu me confundi! Vou ajustar afinal, pelo menos, foi formado em SP para dar vazão ao seu sonho. Abraços!
Algum comentário sobre a Industria Brasileira de Automóveis Presidente?