Em vários momentos da nossa história, lamentamos a perda de algum edifício antigo, como o Palacete Santa Helena e os antigos palácios da Avenida Paulista. Mas sabemos a razão disso ter acontecido e de outros prédios históricos terem sobrevivido?
Por incrível que pareça, a perda desses tesouros arquitetônicos aconteceu por influência de alguns arquitetos, profissionais que deveriam ter preservado esses históricos edifícios. O Serviço de Patrimônio Histórico, atual Iphan, foi criado em 1937 e possuía na direção um grupo de modernistas que era fortemente influenciado por Lúcio Costa, famoso arquiteto da época.
Esses profissionais tinham em comum o ódio pela chamada arquitetura eclética e, segundo eles, o verdadeiro estilo brasileiro era o chamado colonial, abundante nas cidades históricas mineiras e nas igrejas barrocas do Rio e Salvador. Esse pensamento acabou construindo a visão de que não cabiam prédios de influência francesa no país.
Segundo a ideologia do grupo, quanto menos desses edifícios, melhor: “Os modernos viraram árbitros do que era bom ou ruim na arquitetura. Resgatavam o passado e diziam como seria o futuro. Para eles, a arquitetura eclética era um hiato na linha evolutiva das construções no país”, diz o arquiteto e antropólogo Lauro Cavalcanti, o autor de Dezoito graus – livro que fala da construção do Palácio Capanema e narra o embate entre ideias divergentes quanto à arquitetura nacional.
A concepção do palácio supracitado, por exemplo, aconteceu em 1935 e representou a caçada à arquitetura eclética. Naquele ano, o Ministério da Educação e Saúde, abriu um concurso de arquitetura para a construção de uma sede no Rio. O vencedor foi Archimedes Memória, um famoso arquiteto. Ele projetou um edifício com estilo neoclássico, que foi elogiado por misturar temas indígenas com elementos do passado brasileiro.
O ministro Gustavo Capanema, por outro lado, considerou o projeto terrível. Ele pagou o prêmio, mas não quis erguer o palácio. Com a aprovação do presidente Getúlio Vargas, chamou o arquiteto Lúcio Costa para projetar uma construção mais moderna. Surgiu, assim, o Palácio Capanema.
O prédio se tornou um marco por motivos diversos, além da importância arquitetônica. Ele deu início à parceria entre Costa e Oscar Niemeyer (que posteriormente fariam Brasília e projetariam a arquitetura brasileira no exterior). E abrigou o Serviço do Patrimônio Histórico, sob o comando de Costa e seu grupo. Ironicamente, nesse edifício o arquiteto e o Iphan passaram a decidir o que deveria ou não ser preservado.
Segundo Marcelo Bortoloti, da Época, …a nova arquitetura deveria ser limpa e racional, como professava o arquiteto franco-suíço Le Corbusier. As construções do passado que mereciam preservação eram as de estilo colonial. Costa via uma afinidade entre os dois momentos da história, que formariam a linha evolutiva da autêntica arquitetura brasileira. A herança deixada por Costa e seu grupo na proteção do patrimônio é ambígua. Sua contribuição foi de inegável importância naquele momento em que a arquitetura colonial corria risco iminente. Antes da criação do Serviço do Patrimônio, a Igreja da Sé, em Salvador, primeira grande catedral do Brasil, foi colocada abaixo para a construção de uma avenida. No entanto, a recusa sistemática da arquitetura eclética que resplandecia nas grandes cidades abriu espaço para que fossem cometidos crimes irreparáveis contra o patrimônio histórico brasileiro.
A Demolição De vários Prédios E a Influência do Iphan
Com o começo do trabalho do Iphan até os anos 70, estima-se que mais de 600 prédios foram tombados. Desse número, 529 eram do período colonial.Os modernistas protegiam as próprias obras e outras, como a Igreja da Pampulha, construída por Niemeyer, em 1947.
Ao mesmo tempo, sem proteção, os edifícios ecléticos iam sendo destruídos. Dos mais de 70 edifícios que havia ao longo da Avenida Rio Branco, no Rio, restaram dez. Em São Paulo, dos grandes casarões da Avenida Paulista, sobraram quatro.
Falando especificamente de São Paulo, a nossa querida metrópole não era um grande foco para os modernistas, afinal, guardávamos poucos exemplos da arquitetura colonial. Luís Saia, chefe do Iphan em São Paulo e responsável por todos os Estados do Sul, observou: “O gótico da Catedral da Sé, o romântico do Mosteiro de São Bento, o pretendido colonial da Igreja do Carmo são coisas estilisticamente espúrias e infelizes”.
No ano de 1937, Mário de Andrade, que também fazia parte do Serviço de Patrimônio, chegou a escrever o seguinte: “Vagar assim pelos mil caminhos de São Paulo, em busca de grandezas passadas, é trabalho de fome e de muita, muita amargura. Procura-se demais e encontra-se quase nada”.
Com essa perspectiva, não se via valor em conjuntos arquitetônicos como o da Avenida Paulista. Praticamente tudo foi abaixo. “O que aconteceu na Avenida Paulista é uma tragédia nacional. São Paulo foi marginalizada, por causa de uma leitura da identidade brasileira que excluía o imigrante”, diz Paulo Garcez, professor de arquitetura da Universidade de São Paulo (USP).
Nos anos 80, quando foram criados órgãos de proteção estaduais e municipais, foi dada maior importância para a diversidade do patrimônio cultural. Os novos técnicos foram entendendo, aos poucos, os erros do passado.
Mesmo com os arquitetos acreditando que tenham ajudado a moldar as cidades brasileiras e influenciado a maior parte da intelectualidade, não chegou a atingir, como pretendia, o gosto da população. A história mostrou que os brasileiros sempre preferiram os edifícios chamados de “bolos de noiva”, com fachadas repletas de detalhes decorativos e estilos misturados.
Marcelo Bortoloti, antes de se propor a escrever um artigo do gênero, devia ter se preparado melhor.
Recife já foi a urbe mais rica do Brasil, mas por incrível que pareça não é tratada como cidade histórica. No século XVI, era Olinda o local mais próspero da América Portuguesa, mas esta foi destruída em 1631 pelos holandeses, e o Recife tomou o seu lugar em importância. A primeira obra de grande porte do Brasil foi o Palácio de Friburgo, sede da Nova Holanda construída por Nassau. Já em Salvador, quase todas as construções eram de taipa, inclusive o tão falado “Palácio do Governo” (uma casa de pau a pique). Somente no fim do século XVII Salvador viu o surgimento de construções maiores em alvenaria, com a elevação de sua Diocese à condição de Arquidiocese. No início do século XVIII, apenas Recife e Salvador tinham construções imponentes. O Recife, por exemplo, tinha inúmeros sobrados coloniais de cinco pisos.
Recife e arredores (Olinda, Igarassu, Jaboatão dos Guararapes, Ipojuca), mesmo com toda a destruição do patrimônio histórico, conservam diversos exemplares barrocos de excepcional importância; e olha que a Capitania de Pernambuco construía as igrejas às suas expensas (por não ser a sede da igreja católica no Brasil, não recebia doações para a construção dos seus templos, então os abastados comerciantes e senhores de engenho locais cansavam de esperar e levantavam as igrejas e conventos às próprias custas). Recife tem muitas igrejas barrocas, como a Capela Dourada, a Basílica do Carmo, a Concatedral de São Pedro dos Clérigos, a Matriz dos Santíssimo Sacramento de Santo Antonio, a Madre de Deus e muitas outras. Juntando com as de Olinda, Igarassu, Jaboatão, todas muito próximas, dá um roteiro barroco dos melhores.
Um dos maiores crimes cometidos contra o patrimônio histórico do Recife foi a abertura da Avenida Dantas Barreto, quando centenas de sobrados coloniais foram eliminados e, para permitir a conclusão da obra, o então presidente Médici destombou a Igreja dos Martírios — que era protegida pelo IPHAN —, permitindo a sua destruição.
Recife teve também o primeiro teatro do Brasil construído por engenheiro não-militar, os primeiros prédios neoclássicos, e também teve ótimos exemplares ecléticos.
De que adianta vir de nariz empinado querer ocupar o palco se sua introdução foi deselegante?
E o que isso tem a ver com o artigo que eu escrevi?
Excelente,Júnior. O Brasil precisa conhecer melhor sua História,da qual Recife é a cereja do bolo.
Nossa, que bairrismo do nosso amigo Junior. E bastante deselegante. O artigo tomou como tema as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, os mais importantes centros do país. No entanto, existem inúmeras cidades glamourosas e lindas pelo Brasil, também Recife, que tem o seu valor histórico. E só não foram mencionadas no artigo. Talvez por falta de tempo de maior pesquisa. Moro em São Paulo, fui projetista e adoro arquitetura; e sei da eterna critica de muita gente sobre o passado sem memória da arquitetura paulista. Por coincidência, tive um patrão Armando Rebolo, arquiteto e filho do Francisco Rebolo, da era modernista. E funcionário do Ipham também. Convivi com ele e visitei algumas obras tombadas pelo dpto.