O texto de hoje foi motivado pelas discussões que tomaram as redes sociais e a sociedade civil na última terça-feira (1º). Diante da iminente mudança ou, até mesmo, demolição de um patrimônio histórico, é importante relembrar a história desse equipamento. Vamos a ela!
O Ginásio do Ibirapuera foi inaugurado em janeiro de 1957 e, na verdade, ele é um grande complexo esportivo dentro do Parque Ibirapuera. Seu nome oficial é Conjunto Desportivo Constâncio Vaz Guimarães.
A estrutura é composta por 95 mil m² onde estão: o Ginásio Geraldo José de Almeida, apelidado de Ginásio do Ibirapuera; o Estádio Ícaro de Castro Mello, o Conjunto Aquático Caio Pompeu de Toledo, o Ginásio Poliesportivo Mauro Pinheiro e o Palácio do Judô.
A título de curiosidade, o nome Constâncio Vaz Guimarães é uma homenagem a um advogado e procurador fiscal, que era praticante e entusiasta do atletismo. Sua paixão era tão grande que, em 1936, foi o presidente da delegação olímpica brasileira nos jogos de Berlim.
Voltando à história do complexo, gostaria de deixar registrado que, basicamente, ninguém nunca resgatou essa lembrança. São poucos os lugares com boas informações e, um dos melhores, o extinto blog do Edison Veiga, deixei no fim do texto, com os devidos créditos pelas curiosidades compiladas quando da comemoração dos 60 anos do local.
O primeiro recorte relevante sobre o ginásio eu encontrei no Correio Paulistano e ele é datado de 23 de dezembro de 1953. Na ocasião, o jornal destaca o seguinte:
“Entre os mais importantes dos certamos programados para São Paulo, em 1954, figura o Campeonato Mundial de Bola ao Cesto, fixado para o mês de outubro no Ginásio do Ibirapuera, cujas obras já se encontram adiantadas e cuja conclusão deverá verificar-se em junho próximo. Este certame, o segundo a ser efetivado, pois o primeiro teve a Argentina como sede, deverá empolgar, não só pela boa atuação do cestobol nacional, como e principalmente pelas famosas equipe que nos visitarão.”.
Pouco depois, em agosto de 1954, o mesmo periódico destaca o seguinte:
“Para o público ter uma ideia do que será o Ginásio do Ibirapuera, daremos algumas informações a respeito: existirão no Ginásio quatro vestiários; duas cabines de rádio; duas tribunas para imprensa; lugares para 20.000 pessoas comodamente sentadas, entre cadeiras, arquibancadas e gerais; serviços sanitários e de bar para espécie de localidade; acesso aos jogadores ao local do jogo por túneis que vão diretamente à quadra; o piso de jogo será de cor esverdeada, a qual permite aos assistentes maior descanso para a vista. A visão para os espectadores será perfeita de qualquer ângulo do ginásio, pois não existe uma só coluna.”.
A polêmica para a inauguração do ginásio se deu, especialmente, por sua cobertura. Uma pequena nota chegou a dizer que as empresas empacaram um grande capital na cobertura do ginásio e, se não conseguissem receber o pagamento, talvez tivessem que paralisar as obras.
O Diário da Noite foi ainda mais agressivo, no editorial de Aurélio Campos, deixando claro que não era de competência da empresa investir todos seus recursos na construção do ginásio, se o contratante (poder público), não pagava o combinado. O governo, na época, garantiu que o complexo estaria pronto para o mundial de basquete.
Ainda em setembro de 1954, um acidente acabou acontecendo no local. Os jornais da época não fizeram uma grande cobertura do ocorrido, mas acabou atrasando a obra, em especial a dos anéis superiores. Segundo o Diário da Noite, ninguém acabou ferido e “os operários prosseguem animadamente no serviço de cobertura”.
Finalmente, após bastante polêmica, em 22 de setembro daquele ano, as obras para subir o anel de 13 toneladas que compõe o teto do ginásio, foram retomadas em ritmo acelerado. O feito, claro, foi destaque nos jornais da época, como podemos ver abaixo:
Entretanto, mesmo com toda a “correria” e as desculpas dos governantes, o ginásio não ficou pronto. Em uma longa matéria, o jornal Diário da Noite. Abaixo a manchete e o link para quem quiser ler na íntegra. O jornal é de 30 de setembro de 1954.
O mundial de basquete, diante da demora nas obras, foi feito no Maracanãzinho que, inclusive, também estava inacabado, como contou Wlamir Marques. A demora nas obras se estenderia por muitos anos ainda. A Gazeta Esportiva, em abril de 1956, deu destaque para as obras que, acreditem, ainda estavam inacabadas por ali.
O espaço seria finalmente inaugurado em 25 de janeiro de 1957, após muito tempo de atraso, em um jogo festivo de basquete contra a seleção argentina. Abaixo, recortes do momento:
Entre as críticas feitas pelos jornais, as reclamações sobre a cobertura foram as maiores. O Diário da Noite chegou a dizer que a cobertura só foi finalizada devido ao clamor popular e a vergonha em ter uma obra assim parada.
O Correio Paulistano, foi mais bondoso com o poder público. Os dois recortes abaixo são do dia da inauguração:
Os patronos dos ginásios
Cada equipamento do complexo homenageia um patrono do esporte. Como citamos no começo do texto, Constâncio Vaz Guimarães é uma homenagem a um advogado e procurador fiscal, que era praticante e entusiasta do atletismo.
Já o nome Geraldo José de Almeida é uma homenagem ao narrador esportivo e radialista que viveu entre 1919 e 1976 e se tornou muito famoso devido às suas narrações de jogos da seleção brasileira de futebol entre os anos de 1954 e 1974. Os bordões mais famosos eram: “seleção canarinho do Brasil” e “que que é isso, minha gente”.
Ícaro de Castro Mello, que é o nome do estádio do conjunto, foi o arquiteto que desenhou o complexo. Ele viveu entre 1913 e 1986. Também era atleta e foi recordista sul americano em salto em altura e salto com vara. Integrou a equipe brasileira nas Olimpíadas de Berlim, em 1936.
O nome Caio Pompeu de Toledo destaca um político que viveu entre 1943 e 1994. Ele foi vereador, deputado estadual e deputado federal. Também foi secretário municipal e estadual de esportes.
As curiosidades do local
- Julio Iglesias cantou no Ginásio do Ibirapuera em 1991, em uma apresentação que contou com músicas como: “Aquarela do Brasil” e “Garota de Ipanema”;
- O lendário boxeador Cassius Clay, conhecido mundialmente como Muhammad Ali, lutou no local em 1971. A curiosidade do episódio foi que, na época, ele chegou a provocar, em tom de brincadeira, o Rei do Futebol, dizendo que o superaria no futebol;
- A companhia americana de patinação de gelo, Holiday On Ice se apresentou diversas vezes no local;
- Rafaela Silva, medalhista de ouro nas Olimpíadas de 2016, passou pelo complexo esportivo;
- Nomes do tênis como: Maria Esther Bueno, Gustavo Kuerten, Maria Sharapova, Roger Federer e Rafael Nadal passaram por ali;
- Em 25 de janeiro de 1957, na inauguração do Ginásio do Ibirapuera, a seleção paulista de basquete masculino venceu a seleção argentina. Foram 81 pontos do lado de cá, contra 77 pontos dos hermanos portenhos;
- Em 2000, o suplemento de turismo do The New York Times elencou as apresentações musicais realizadas no Ginásio do Ibirapuera como um dos principais programas para um turista fazer na cidade de São Paulo;
- O local foi a sede do basquete nos jogos Pan-Americanos de 1963, que foram realizados entre 20 de abril e 5 de maio daquele ano;
- Em 25 de janeiro de 1990, no aniversário de São Paulo e de Tom Jobim, houve uma linda festa no local, com apresentação do já citado artista, além de Chico Buarque, Milton Nascimento e o Quarteto em Cy;
- A primeira edição do Campeonato Mundial de Futebol de Salão ocorreu no Ginásio do Ibirapuera em 1982. Dez países participaram do torneio. Os jogos foram realizados de 30 de maio a 4 de junho daquele ano. A seleção brasileira levou a melhor: na finalíssima, os Brasil venceu o Paraguai por 1 a 0. O Uruguai ficou com a terceira colocação;
- O recordista de público do Ginásio do Ibirapuera é ao violinista e regente holandês André Rieu. Em quatro shows realizados em 2012, ele atraiu um público total de 120 mil pessoas;
- Em 13 de abril de 1998, o Ginásio do Ibirapuera teve um show com Rolling Stones, Bob Dylan e Cássia Eller. Rock para ninguém botar defeito. Os ingressos custavam de R$ 65, nas arquibancadas, a R$ 120, nas cadeiras especiais.
Para mais curiosidades do espaço, acessar: https://sao-paulo.estadao.com.br/blogs/edison-veiga/ginasio-ibirapuera-completa-60-anos-confira-60-curiosidades/
Concessão à vista?
No último dia 30, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) rejeitou o pedido de abertura do processo de tombamento do espaço.
De maneira geral, isso quer dizer que, sem o tombamento, fica aberta a possibilidade de concessão à iniciativa privada que, na prática, poderia fazer o que quiser com o espaço: restaurar, demolir, fazer um shopping, etc.
O não tombamento do espaço gerou diversas reações nas redes sociais, com discussões fervorosas sobre o tema.
Deixo abaixo uma delas. Cliquem no tweet para que possam ver o “fio” completo:
Referências:
Correio Paulistano de dezembro de 1953: http://memoria.bn.br/DocReader/090972_10/18995
Correio Paulistano de agosto de 1954: http://memoria.bn.br/DocReader/090972_10/22295
Diário da Noite de setembro de 1954: http://memoria.bn.br/DocReader/093351/32117
Diário da Noite de setembro de 1954 (pequeno registro do acidente): http://memoria.bn.br/DocReader/093351/32382
Diário da Noite de 22 de setembro de 1954: http://memoria.bn.br/DocReader/093351/32485
Diário da Noite de 30 de setembro de 1954: http://memoria.bn.br/DocReader/093351/32605
Ginásio do Ibirapuera: uma história a ser contada: http://www.espn.com.br/blogs/wlamirmarques/752316_ginasio-do-ibirapuera-uma-historia-a-ser-contada
Gazeta Esportiva de 10 de abril de 1956: http://memoria.bn.br/DocReader/104140/201 / http://memoria.bn.br/DocReader/104140/214
Inauguração do Ginásio: http://memoria.bn.br/DocReader/090972_10/35264
São Paulo, que na verdade é uma cidade “jovem” pois em 1872 tinha pouco mais de 30.000 habitantes, começou a se transformar metrópole a partir de 1900, quando atingiu perto de 240.000 moradores, dos quais cerca da metade de imigrantes, em sua maioria italianos. Grandes obras de destaque surgiram apenas a partir da virada do século como a estação da Luz, o imponente teatro Municipal e o viaduto de Santa Ifigênia, a maior exceção sendo o Museu do Ipiranga de 1895. Em consequência as obras que caracterizam sua imponência são em sua grande maioria do século XX, com destaque às construídas a partir das comemorações do IV Centenário em 1954. O conjunto esportivo do Ibiraquera é parte essencial de sua história. Além de jogos e de apresentações memoráveis, era local de formaturas saudosas como as do CPOR-SP quando, anualmente, eram declarados mais de 400 Aspirantes a Oficial R-2.
Resta esperar que uma nova e moderna Arena, condizente com grandes eventos esportivos e musicais, surja no local, sem esquecer a pista de atletismo, piscina olímpica e demais esportes.
Certamente, a lista de shows que houveram ali nos anos 80 é enorme e inesquecìvel: Metalica, Motorhead, Nazareth, Deep Purple, RPM com o show Rádio pirata ao vivo, Guilherme Arantes, e muitos outros.
Quando criança fui em apresentações do Holiday on ice e Harlen Globe troters.
Honestamente não consigo entender o porquê dessa necessidade frenética de se transformar alguns pontos turísticos e históricos em pó.
Será que não existe outra solução. Imagino que as instalações estejam desatualizadas afinal manutenção não é o forte das gestoes públicas e atualização menos ainda. Mas simplesmente “descartar” e abrir mão de patrimônio visando “reduzir” despesas nem sempre é a melhor solução.
Será que não há ninguém interessado em fazer parceria.
Nem sempre o caminho mais fácil é o melhor. A não ser para aqueles que tem um “olho grande” e só vêem grana sem medir consequências e no impacto que isso pode trazer para a sociedade.
Caio Pompeu de Toledo é parente do Cícero, que dá nome ao estádio do SPFC. No Ibirapuera treinava também a Maurren Maggi, que me chamou para assisti-la. O ginásio foi palco de jogos da Taça Davis (fui ver o Luiz Mattar lá) e de uma exibição com Jimmy Connors e John McEnroe (que também vi), além de memoráveis shows de rock. Os melhores que vi foram do Van Halen, Genesis e Jethro Tull. As memórias são fantásticas, mas o lugar está datado. Só uma boa análise de custo/benefício pode dizer se vale a pena fazer uma reforma e bancar o elevado custo de manutenção, ou por tudo terra abaixo e erguer novo empreendimento. Quem critica o projeto de concessão pode barrá-lo com uma contribuição mensal para sua manutenção. Quem se habilita? Shows já não acontecem mais lá, em vista de locais mais adequados, como o Allianz Parque. Preservar o local apenas para a prática de esportes por quem não pode pagar por um local privado não parece viável. Que mostrem o estudo combinando as necessidades sociais com as econômicas.