A Curiosa História do Município de Santo Amaro

A história da região de Santo Amaro, na zona sul, é diretamente ligada ao tamanho da atual cidade de São Paulo. Para entender um pouco dessa afirmação que fiz acima é preciso mergulhar na história da formação da cidade e de seus bairros.

Logo após a fundação de São Paulo, em 1554, os jesuítas que estavam pelo país foram distribuídos, sob as ordens do Padre Manuel da Nóbrega, na Capitania de São Vicente em três locais: São Vicente, São Paulo e Jeribatiba (atual Santo Amaro).

Nessas localidades os religiosos já trabalhavam com a catequese e educação dos índios e crianças mamelucas. José de Anchieta, um dos mais respeitados jesuítas da época, ao visitar a Aldeia de Jeribatiba, percebeu que devido ao alto número de índios catequizados e de colonos instalados por ali, era possível constituir um povoado, ideia que logo foi aprovada pelos moradores.

Para tanto foi erguida uma capela e, João Pais e sua esposa Susana Rodrigues, doaram uma imagem de Santo Amaro para a capela organizada por José de Anchieta. No ano de 1686 a região foi elevada à categoria de freguesia.

Vale a curiosidade de que, no final do Primeiro Reinado, quando Dom Pedro I se casou com Amélia de Leuchtenberg, os primeiros grupos de alemães se juntaram ao povoamento de Santo Amaro e, a partir daí, começam a surgir famosos pontos da região, como o Cemitério da Colônia, em Parelheiros. A região do Bairro do Alto da Boa Vista, aliás, possui características dos alemães até hoje.

Santo Amaro Um Município?

A maior curiosidade da região aconteceu em 1832 quando a região se tornou um município. O fato foi oficializado no dia 7 de abril de 1833. E o tamanho dessa nova cidade era imenso. O município abrangia todo o território que ficava ao sul do Córrego da Traição, hoje em dia canalizado e parte da Avenida dos Bandeirantes, estendendo-se até a Serra do Mar.

Brasão do Município de Santo Amaro.

Incluía, ainda, áreas dos municípios como: Itapecerica da Serra, Embu, Embu-Guaçu, Taboão da Serra, São Lourenço da Serra e Juquitiba, que se separaram em 1877 para a formação do município de Itapecerica da Serra. No ano de 1886 foi inaugurada a linha férrea que ligava São Paulo a Santo Amaro e, na cerimônia, o próprio Imperador Dom Pedro II esteve presente.

Essa linha seguia desde a atual Avenida Liberdade, passando pela Vergueiro, Domingos de Morais, Avenida Jabaquara (trajeto da linha – 1 do Metrô) e passando por trás do Aeroporto de Congonhas. A partir daí ia direto para Santo Amaro. Vale mais uma curiosidade histórica de que, a real autorização para a construção dessa linha férrea, conforme a Lei Provincial 56, de 11 de maio de 1877, previa que ela fizesse a ligação entre São Paulo e o povoado de São Lourenço, atual São Lourenço da Serra.

Quase 40 anos depois, em 1913, essa linha de trem foi substituída por uma linha de bondes que tinha uma pequena modificação: ela desviava da Rua Domingos de Morais para a Avenida Conselheiro Rodrigues Alves, seguindo pelas regiões de Indianópolis, Campo Belo, Brooklin Paulista e Alto da Boa Vista, dando origem ao que hoje são a Avenida Ibirapuera e a Avenida Vereador José Diniz.

Santa Casa de Santo Amaro em 1936.

Paralelamente a esse traçado, a região se desenvolvia. Em 1899 foi inaugurada a Santa Casa de Misericórdia de Santo Amaro e, em 1924, a Igreja Matriz de Santo Amaro, atual Catedral de Santo Amaro. Essa catedral só existe, aliás, porque em 27 de maio de 1989 o Papa João Paulo II criou a Diocese de Santo Amaro, desmembrando a Arquidiocese de São Paulo.

O surgimento do Aeroporto de Congonhas em 1934 foi um dos grandes motivos pelos quais o Decreto Estadual número 6983 foi promulgado em 22 de fevereiro de 1935. Essa manobra servia para extinguir o município de Santo Amaro e incorporá-lo ao município de São Paulo.

Alguns historiadores acreditam que Getúlio Vargas foi obrigado a anexar Santo Amaro devido à revolução de 32. Na ocasião,  o Campo de Marte foi ocupado pelas tropas rebeldes e, para procurar alternativas para o transporte aéreo de SP, Vargas “tomou” o aeroporto de Congonhas. A área do antigo município foi então subdividida nos subdistritos de Santo Amaro, Ibirapuera, Capela do Socorro, e no distrito de Parelheiros.

Visão do Largo Treze em 1920.

Outro motivo que extinguiu o município tem a ver com uma “vingança” de Vargas. Quando a revolução estourou em São Paulo  a cidade de Santo Amaro estava para comemorar seu centenário e uma grande festa estava sendo organizada. Com os acontecimentos bélicos ocorrendo a festa foi cancelada e, para “piorar”, surgiu em Santo Amaro um dos primeiros batalhões paulistas, a “Companhia Isolada de Santo Amaro”, o que só gerou a ira do ditador.

Mais do que isso, a cidade devia 500 contos ao tesouro do Estado de São Paulo e, também, já possuía em seus domínios a represa Guarapiranga, ponto de interesse para o município de São Paulo que ainda não era autossustentável.

Represa de Guarapiranga em 1936.

Alguns movimentos emancipacionistas surgiram entre as décadas de 50 e 70, mas não  conseguiram sensibilizar a população para que Santo Amaro fosse novamente elevado à condição de município. Curiosamente o distrito nunca foi “reorganizado” e um desses exemplos fica por conta da numeração que ainda converge para o centro da antiga cidade e não para o centro de SP.

Confira, abaixo, o decreto que rebaixou o município à condição de distrito.

Decreto Nº 5.983 de 22 de fevereiro de 1935

O Doutor Armando de Salles Oliveira, Interventor Federal no Estado de São Paulo usando das atribuições que lhe são conferidas pelo decreto federal nº 19.398 de 11 de novembro de 1930,

Considerando que dentro do plano geral de urbanismo da cidade de São Paulo, o município de Santo Amaro está destinado a construir um dos seus mais atraentes centros de recreio;

Considerando que para a organização desse plano o Estado tem que auxiliar, diretamente ou por ato da Prefeitura, as finanças de Santo Amaro, tanto que desde já declara extinta sua responsabilidade para com o Tesouro do Estado, proveniente do contrato de 18 de julho de 1931, e que muito onera o seu orçamento e dificulta a sua expansão econômica e cultural;

Considerando que, liquidada essa dívida todas as suas rendas poderão ser aplicadas no seu próprio desenvolvimento;

Considerando ainda que o Estado não só se dispõe a incrementar em Santo Amaro, a construção de hotéis e estabelecimentos balneários que permitam o funcionamento de cassinos, com também já destinou verba para melhorar as estradas de rodagem que servem aquela localidade, facilitando-lhe todos os meios de comunicação, rápida e eficiente com o centro urbano;

Decreta:

Art. 1.º – fica extinto o município de Santo Amaro, cujo território passará a fazer parte do município da Capital, constituindo uma sub-prefeitura, diretamente subordinada à Prefeitura de São Paulo.

Art. 2º – O subprefeito será nomeado pelo Prefeito da Capital com os vencimentos anuais de 24:000$000 (vinte e quatro contos de réis);

Art. 3º – Serão mantidos os direitos dos atuais funcionários da Prefeitura de Santo Amaro, que poderão servir na sub-prefeitura ora, criada, ou ser reaproveitados na Prefeitura da Capital.

Art. 4º – Fica o Tesouro do Estado autorizado a cancelar o adiantamento de 500:000$000 (quinhentos contos de réis); atualmente acrescidos dos juros de 124:658$600 e que foi feito ao município de Santo Amaro em virtude do contrato de 18 de julho de 1931, abrindo-se para esse fim o necessário crédito.

Art. 5º – Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Palácio do Governo do Estado de São Paulo, aos 22 de fevereiro de 1935,

ARMANDO DE SALLES OLIVEIRA

Referência: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=778698