A formação da estrutura de saúde pública de São Paulo é complexa e passou por várias mãos até chegar ao que conhecemos hoje. Embora ela não comporte a demanda que temos hoje, sua trajetória foi recheada de competentes profissionais que ajudaram a evitar que a situação fosse ainda pior. A SP In Foco traz, hoje, um dos relatos mais completos que já tivemos a oportunidade de fazer. Divirtam-se com a leitura!

A Constituição de 1891 dizia que cada estado deveria ser o responsável pela saúde de seus cidadãos, mas o fato de que a doença, muitas vezes, passava as fronteiras de cada unidade da federação, fez com que surgisse a ideia de que os problemas de saúde pública fossem, também enfrentados pelo governo federal. Vale dizer que, nessa época, o Brasil como um todo era um grande centro de doenças, com epidemias de febre amarela, peste bubônica, cólera e varíola

Diante desse cenário caótico, algumas medidas foram tomadas. Segundo a Lei n° 120, de 28 de outubro de 1891, foi criada a Inspetoria Geral de Higiene do Estado, com a função de fiscalizar os profissionais de saúde, combater as doenças transmissíveis, entre outras atividades.

Em resumo: foi a primeira instituição voltada totalmente à saúde da história de São Paulo. No ano seguinte, 1892, essa Inspetoria foi transformada no Serviço Sanitário do Estado, entidade que seria subordinada à Secretaria do Interior. Além disso, também foram criados alguns outros serviços de saúde com fins mais específicos, como: Serviço Geral de Desinfecção e a Seção de Estatística Demógrafa-Sanitária. Outro ponto de extrema importância foi a obrigatoriedade de vacinação e revacinação preventiva, atitude que se provaria correta com o passar do tempo.

No ano de 1893 ocorreu uma pequena reorganização do sistema público de saúde com a Lei nº 240 de 1893. Na ocasião, novas obrigações foram adicionada às atribuições do Serviço Sanitário e entre elas, vale destacar: maior fiscalização, através da polícia sanitária, em grandes estabelecimentos públicos ou privados; organização e direção dos serviços de assistência pública e a otimização dos processos de vacinação e revacinação por São Paulo. As atividades eram subsidiadas pelos municípios e, em caso de emergência, recebiam ajuda do governo estadual através dos chamados “Auxílios de Municipalidades”.

Surge o “Código Sanitário” e a Revolta da Vacina influencia na Organização de SP

O desenvolvimento de métodos para evitar o espalhamento de doenças contagiosas por São Paulo acabou resultando no chamado “Código Sanitário do Estado de São Paulo”, que seria publicado em 1894 com mais de 520 artigos. Muitos desses tópicos eram referentes às citadas doenças infecciosas (febre amarela, cólera, varíola, difteria, coqueluche, entre outras). Foi nesse ano também que, o antigo Hospital de Isolamento, atual Emílio Ribas, passou a tratar outras doenças além da varíola, auxiliando no controle das mais variadas epidemias que assolavam São Paulo.

Hospital Emilio Ribas em 1974. Na imagem, pacientes fazem fila para tratar da meningite.

Apesar dos grandes esforços dos médicos de São Paulo, novos “desastres” fariam parte da nossa história. Mas é como dizem: há males que vêm para o bem. Em 1899 aconteceu na cidade de Santos, litoral do estado, um surto terrível de peste bubônica. Como a importação das vacinas era uma tarefa muito cara, o país precisou desenvolver a própria cura e, para isso, foi criado o famoso Instituto Butantan (ou Butantã), na “periferia” da cidade de São Paulo.

Com o sucesso das pesquisas desenvolvidas por esse instituto, foi criado uma segunda entidade focada em medicina experimental: o Instituto Pasteur, fundado em 1903. Como se sabe, a grande vocação desse importante centro foi (e é até hoje) o desenvolvimento e a produção da vacina antirrábica.

Enquanto São Paulo desenvolvia suas vacinas e curas para as pestes que lhe afligia, a então capital federal, o Rio de Janeiro fervia. Em 1904, sob o comando de Oswaldo Cruz, a Diretoria-Geral de Saúde Pública (DGSP) instituiu a obrigatoriedade da vacinação antivariótica, com o apoio do Presidente Rodrigues Alves.

Não era incomum que agentes invadissem casas e aplicasse vacinas à força, o que causou uma grande revolta nas pessoas, que desconheciam os efeitos dessa vacina. A famosa Revolta da Vacina conseguiu acabar com a obrigatoriedade da vacinação através de uma lei publicada em 16 de novembro de 1904.

revolta-vacina5

Entretanto, apesar do seu cancelamento, esse acontecimento acabou gerando diversos resultados que afetariam São Paulo. O sistema de saúde brasileiro, de maneira geral, teve que ser repensado. Seguindo uma linha de centralização administrativa, Emílio Ribas reorganizou o serviço sanitário do estado em 1906.

Ele extinguiu os serviços municipais e dividiu o estado em 14 distritos sanitários, chefiados por um inspetor sanitário estadual. Aconteceu, assim, uma “descentralização regionalizada” das atividades da saúde pública. A partir de então, uma “bagunça” tomou parte do sistema.

Em 1911 outra reorganização ocorreu. Enquanto pela reforma de 1906 foram criados 13 distritos sanitários com sede em municípios do interior, cada qual com um inspetor sanitário, a nova reforma distribuiu os 13 inspetores em apenas seis municípios.

Uma Nova Diretoria Assume o Serviço Público de Saúde 

Cerca de 2 anos após essa mudança, em 1913, Emílio Ribas foi substituído por Guilherme Álvaro no cargo de Diretor do Serviço Sanitário. Álvaro teria vida curta e, na sequência, Geraldo Horácio de Paula Souza assumiria o comando e ficaria lá até 1927. No começo de sua gestão à frente do departamento, Paula Souza teve que enfrentar uma terrível epidemia de febre tifoide na capital.

Após alguns estudos e experiências, a comunidade médico-sanitária de São Paulo percebeu que esse problema vinha acontecendo devido o uso das águas do Rio Tietê. De uma maneira bastante “radical” para a época, Paula Souza ordenou a cloração da água do abastecimento público, conseguindo conter a epidemia, embora tenha sofrido fortes críticas da população naquele momento.

Esse famoso médico também acabou “reorganizando” alguns departamentos de saúde do estado. Ele criou a Inspetoria de Profilaxia da Lepra (que ficava no Butantã), criou a Inspetoria da Profilaxia das Moléstias Infecciosas e criou o Serviço de Policiamento da Alimentação Pública.

Em 1925, após diversos debates sobre a saúde pública em âmbito federal, inclusive pela morte de Rodrigues Alves em decorrência da terrível epidemia de gripe espanhola, o sistema paulista foi novamente reorganizado. Era o momento de fazer uma reforma sanitária onde saíamos da fase da polícia sanitária e partíamos para a EDUCAÇÃO sanitária.

O governo estadual planejou a instalação de centros de saúde na capital, transformando o estado de São Paulo em um pioneiro nesse segmento no país. Essa reforma foi extremamente benéfica, trazendo pontos significativos, entre eles:

– Introdução da educação sanitária intensiva para a população em geral, conforme acontecia nos países mais desenvolvidos no quesito da saúde pública;

– Centro de Saúde como eixo das campanhas sanitárias;

– Unidade sanitária única em cada região, transformando os postos municipais em postos gerais de atendimento, extinguindo, assim, unidades específicas que cuidavam de malária e tracoma,

– Unidade sanitária com visitadores, que eram profissionais que iam às residências das pessoas, auxiliando no tratamento e, até mesmo, prevenção de algumas doenças.

Para encerrar esse relato, entre 1925 e 1930 algumas medidas merecem destaque, como:  o isolamento dos leprosos para tratamento, através da Lei nº 2169, de 27/12/1926; a reformulação da inspeção médica escolar, incluindo serviços de dentista e a instituição da Assistência Geral a Psicopatas, em 1930, que além de manter o Hospital Juqueri, criou uma clínica psiquiátrica e autorizou a fundação de institutos segmentados.

Como pudemos perceber nesse longo registro, o sistema de saúde de São Paulo é uma estrutura complexa que precisou ser modificado muitas vezes em 40 anos. A complexidade foi a aumentando com o passar do tempo que, claro, exigiu uma nova reorganização com a chegada dos anos 30.

Falaremos sobre esse tema em breve!

Referência: (Livro) Saúde Pública Paulista – 60 anos de História da Secretaria de Estado da Saúde – Primeiro Capítulo.

4 Comments

  1. Gostei muito dessa história da Saúde Pública; comecei a trabalhar na Saúde pública de São Paulo em 1973 estou ansiosa pela continuidade do tema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *