No ano de 1903, pouco tempo após a proclamação da República, a cidade de São Paulo construiu sua primeira instituição voltada para cuidar e reeducar garotos recolhidos das ruas ou que eram condenados pelo judiciário.
O Instituto Disciplinar que, mais tarde, teria o “Tatuapé” agregado ao seu nome era uma velha fazenda composta por um casarão, dormitórios e um barracão que foram amplamente reformados para receber os primeiros meninos internos. O contexto em que essa instituição surgiu é bastante interessante.
Desde a última década do século XIX o poder público e a sociedade já discutiam sobre a criação de um local capaz de fazer cumprir o “Código Penal da República”, cuja tarefa envolveria atuar sobre o problema dos menores “ociosos, vadios e abandonados” na capital do Estado de São Paulo. No ano de 1893, o famoso Paulo Egídio mostrou ao Senado do Estado, no dia 14 de agosto, o projeto de Lei nº 33 que previa a criação de um “Azylo Industrial de São Paulo”.
Essa instituição seria a responsável por receber as crianças dos dois sexos que fossem encontradas em condições precárias nas ruas, moralmente abandonadas, acompanhadas de criminosos ou filhos de pais viciados e condenados por sentenças judiciais.
Egídio acreditava que os menores recolhidos à essa instituição deveriam receber uma instrução classificada como “elementar (leitura, escrita, aritmética e noções de moral), além de instrução industrial em oficinas e aprendizado agrícola. Esse projeto ficou no Senado por algum tempo até que foi retirado pelo seu criador.
Em 1900 outro parlamentar, dessa vez Cândito Motta, apresentou à Câmara dos Deputados de São Paulo, no dia 9 de maio, um projeto com o título de “Instituto Educativo Paulista”. Ele seria aprovado sem problemas em um primeiro momento, mas no Senado ele sofreria algumas mudanças que acabariam por transformá-lo no Instituto Disciplinar, autorizado pela Lei Estadual nº 844, de 10 de outubro de 1902.
Esses acontecimentos apresentados mostram os esforços de Egídio e Motta para incorporados menores abandonados nas pautas de discussões políticas. Desenvolver o caráter dos menores significava na época, implantar uma série de noções e conceitos que substituísse as disposições morais adquiridas nas ruas. Além disso, acreditava-se que o trabalho também era um instrumento capaz de transformar esses jovens cidadãos em pessoas com bom convívio social.
A Rotina do Instituto
Seguindo os exemplos dos institutos de Mogi-Mirim e Taubaté, o Instituto Disciplinar do Tatuapé aplicava, em suas rotinas, elementos da educação escolar semelhante aos currículos escolares comuns. As atividades práticas, por assim dizer, baseadas na agricultura ou em oficinas, eram aplicadas no estilo militar, em posição de sentido e com os braços para trás.
A ideia era implantar uma educação disciplinadora para reformar o caráter e transformar o trabalho em um recurso educativo. O do decreto estadual nº 1079, de dezembro de 1902, deixa bem claro isso ao dizer, no primeiro artigo: “com sede na Capital do Estado, subordinado ao secretario do Interior e da Justiça, sob a immediata inspecção do chefe de polícia, destina-se a incutir hábitos de trabalho a educar e a fornecer instrucção litteraria e profissional, esta ultima de preferência agrícola”. Importantes homens da nossa época, como Cardoso de Almeida, Sampaio Vidal e Eloy Chaves acabaram gerenciando essa instituição.
Os internos, por sua vez, seguiam um rigoroso Regimento Interno. Em um primeiro momento eles eram identificados, passavam por entrevistas com o diretor da instituição e recebiam um uniforme da casa.
Os jovens acabavam vigiando uns aos outros e, os mais novos dentro do local, trabalhavam na cozinha e na limpeza da casa. O tempo livre dos internos também era monitorado, assim como as correspondências que passavam por uma censura, não sendo permitidos cartas e cartões com palavrões e notícias contrárias ao Instituto.
Esse sistema previa recompensas e punições aplicáveis aos menores. E esses itens aconteciam de acordo com os acontecimentos dentro da instituição. No caso do cumprimento das regras, os menores recebiam prêmios em dinheiro e vantagens dentro do Instituto e, no caso contrário, recebiam reprimendas e humilhações diante dos outros internados.
O Objetivo do Instituto
Segundo uma grande matéria veiculada na revista “A Cigarra”, a atuação do Instituto Disciplinar seria essencial para deixar o “ócio fora” do convívio dos jovens em condição de extrema pobreza e necessidade. Esse elemento, o ócio, aliado ao ambiente das ruas era considerado um corruptor da moral dos menores.
Dessa forma, o trabalho era extremamente valorizado dentro do Instituto chegando a tal ponto em que, em praticamente todas as rotineiras, convergiam para que os internos trabalhassem e se ocupassem com várias atividades. O trabalho, assim, se tornou uma ferramenta para “recuperar” os internos.
Desde sua criação, aproveitando-se do local em que estava instalado, o Instituto Disciplinar do Tatuapé organizava suas atividades práticas em torno de serviços agrícolas. A ênfase nessa atividade teve uma dupla função: servia tanto para a reeducação dos internos quanto para o suprimento de algumas necessidades da casa. Os excedentes dessas produções, inclusive, acabavam gerando alguns recursos para a casa.
Outro ponto em que os internos trabalhavam era na manutenção da casa. Faxinar os dormitórios, lavar as roupas às margens do Rio Tietê, capinar o terreno do Instituto e arrumar a cozinha eram tarefas obrigatórias dos internos.
As Reformas
Durante o tempo em que esteve aberto, o Instituto Disciplinar passou por algumas reformas para melhorar e ampliar as atividades dos internos. Como citado, no começo, o trabalho agrícolas ocupou a maior parte da rotina dos jovens, mas em 1911, as primeiras oficinas industriais foram instaladas no Instituto.
Essas oficinas focam no trabalho de artigos para a Força Pública do Estado, como a oficina de colchoaria. Vale dizer que, os recursos gerados pelo trabalho dos jovens, também se destinavam ao pecúlio, o qual era acumulado pelos internos e retirado no dia em que se desligassem da instituição.
Em mensagem ao Legislativo, no ano de 1913, o presidente do Estado, Rodrigues Alves, quis mostrar que o Instituto, apesar de se utilizar apenas da agricultura para recuperar os menores, estava se adaptando às transformações da cidade:
“Dentro de seis meses devem ficar installadas as officinas do Instituto Disciplinar, de mechanica, marcenaria, sapataria, secção de chumbadores, encanadores, etc. Com esta nova orientação a dar ao ensino, os internados poderão adquirir um officio que constituirá a verdadeira base de sua regeneração ao sahirem do Instituto. Os serviços agrícolas, únicos a que se dedicam actualmente, por certo não preenchem esse fim. Com o actual desenvolvimento industrial de São Paulo, o alumno do Instituto que aprender um officio qualquer, encontrará immediatamente uma collocação que lhe garanta os meios de subsistência”.
Nos anos de 1913 e 1914 novas oficinas foram instaladas, como a de marcenaria, mas mesmo com novos afazeres, as oficinas industriais foram integradas à dinâmica do trabalho na casa. As considerações dos presidentes do Estado, entre 1905 e 1927, reconheciam a importância do trabalho.
Apesar das doces palavras dos mandatários, existiam várias conveniências para o governo. Entre elas as que o Instituto assumia um papel de cuidar dos meninos abandonados e, mais do que isso, gerava receita para se manter, economizando recursos públicos na manutenção da casa.
Um relatório da Secretaria de Justiça e Segurança Pública, de 1908, faz um balanço das rendas geradas pelo trabalho dos internos e aponta a sua vantagem nos depósitos que constituíam os pecúlios:
“A renda do Instituto tem crescido annualmente: em 1905, foi de 687$000; em 1906 – 2:379$600; em 1907 – 3:228$300 e em 1908, 5:020$500. Como para essas rendas concorrem sempre os trabalhos dos internados, seja nas hortas, seja nos pomares, seja na creação de porcos, della é retirada uma parte que, como incentivo e retribuição, é distribuída aos internados, empregados nos diversos misteres em que se occuparam, de conformidade com os esforços de cada um. Com essa distribuição de parte da renda aos internados, feita por autorisação expressa no Aviso número 201 de 15 de janeiro de 1907, tem-se constituído um pecúlio para cada um dos reclusos. Esse pecúlio foi até 19 de Dezembro de 1908 recolhido á Caixa Econômica, que emitiu varias cadernetas a favor dos internados, representando ellas, naquella data, a somma de Rs. 2:777$000”.
A horticultura, a criação de animais, os pomares e as oficinas faziam com que o Instituto tivesse uma imagem produtiva, para reforçar que o trabalho apresentava seus resultados na correção dos menores. Os resultados eram colocados para os internos como recompensa por sua dedicação e disciplina no exercício de seus afazeres, com a possibilidade de compensações na casa (como lugares de honra e cargos de confiança) ou com depósitos nas cadernetas de poupança.
Até 1935 esse aparelho do estado não seria modificado, mas nesse ano aconteceram algumas alterações significativas e o nome da instituição mudou para: Reformatório Modelo de Menores e, em 1976, passou a sediar a então recém-criada Febem, que funcionou no local até ser desativada totalmente em outubro de 2007. Atualmente, o local é Parque Estadual do Belém, inaugurado em 2012.
Fontes: http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao33/materia02/texto02.pdf
http://200.144.6.120/uploads/acervo/periodicos/revistas/CI19140302.pdf
http://saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/salaimprensa/home/imprensa_lenoticia.php?id=220207
Meu avô foi instrutor de marcenaria no Instituto Modelo e entre o final da decada de 40 e inicio da década de 60, residia em uma área destinada a moradia de funcionário e familiares.
Olá, Daniel. Sou pesquisador da USP – RIBEIRÃO PRETO, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, tenho desenvolvido um estudo acerca do Instituto Disciplinar Paulista. Será que poderíamos conversar? Meu e-mail de conta é: williamkleyton.rp@gmail.com
Abraços fraternais.
William.