Dos avanços do transporte público
Por Humberto Dantas*
Desde criança consigo lembrar que trânsito não era coisa das mais simples em São Paulo. Hoje piorou? Claro que sim. Muito mais carros, mais gente guiando e não assistimos um aumento tão expressivo de ruas pela cidade. Resultado: falta espaço, mas melhorou a educação, por incrível que pareça. Fechar cruzamento nas décadas de 80 e 90 era regra. Hoje está menos horrendo.
Outra coisa. Quando eu era criança existia menos oferta de transporte coletivo – e provavelmente menos gente. A linha verde do metrô sequer existia, e a dupla azul e vermelha era mais curta. O que havia era o plano de transformar o subsolo da Paulista num centro comercial – uma espécie de shopping subterrâneo. Os jornais mostravam as plantas com orgulho futurista. O que ganhamos de inovação na época? Um ônibus de dois andares, porque o prefeito admirava Londres. Em termos de política de transporte uma bobagem dispendiosa.
Por sinal, mandaram pintar todos os coletivos de vermelho. Que desperdício! Mas com 13 anos tudo o que eu torcia para acontecer enquanto eu aguardava o Circular Avenidas, linha que ligava a Avenida Angélica à Paulista, era pegar o Fofão – apelido do veículo – e sentar na primeira fileira do segundo pavimento. Era emocionante ver a cidade de cima. Feio era perceber como os postes e seus fios emporcalham a cidade. E olha que nem tínhamos TV a cabo na época, e talvez a fiação tivesse volume inferior ao que notamos hoje.
Diante de tal recordação, onde estaria o “busão” do Jânio Quadros (o gestor da ocasião)? O que fizeram com o Dose-Dupla? Esse segundo apelido fazia menção ao fato de o ex-prefeito gostar de whisky. A resposta é óbvia e condizente com nossa cidade: desativaram logo.
Não serviu sequer para ser transformado naqueles programas europeus com ônibus de dois andares conversíveis que servem para roteiros de turismo. Por sinal, já imaginou um negócio daqueles em São Paulo? O turista precisaria reservar horas para completar um circuito que contemplasse o Memorial da América Latina, o Pacaembú, os atrativos do centro, a Avenida Paulista e o Ibirapuera, por exemplo.
A simples tentativa de imitar a São Silvestre já seria caótica. Quantas horas? Haveria turista interessado nas paisagens daquela que foi eleita a nona cidade mais feia do mundo? Certamente sim. Mesmo porque, para um paulistano legítimo São Paulo reserva encantos e tem lá seu charme.
Mas o tempo passou desde a década de 80 quando eu era um adolescente que voltava de ônibus da escola. Hoje sequer sei se eu deixaria um filho, com 12 anos, pegar dois busões e caminhar tanto pela cidade. Além do medo, o que não faltam são propostas não cumpridas.
Outro dia encontrei um livro sobre o Plano Integrado de Transporte Urbano, chamado de PITU, lançado no comecinho do governo do PSDB no Estado com Mario Covas. Trata-se de um sonho adiado por diversas vezes. Nada ocorreu? Não. Dia desses passei duas horas entre o shopping SP Market e a FNAC de Pinheiros esbravejando pela Marginal dentro do meu carro.
Um ódio alucinante. Dois dias depois arrisquei o trem que margeia o rio Pinheiros e não existia para esse fim quando eu era moleque. Genial! Em 25 minutos da Praça Panamericana à Jurubatuba. Sentado, meio dia, lendo jornal sossegado. Na volta, de pé, sequer me senti espremido. Assim, algo mudou: mais carro e um transporte público melhor. A conclusão? Se tivéssemos investido melhor teríamos menos carros e, certamente, um transporte público bom, pois o “melhor” da frase anterior está longe de ser “razoável”.
*Humberto Dantas é Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), comentarista da Rádio Estadão e coordenador do curso de pós-graduação em Ciência Política na FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo).