Navegando pela internet e, por indicação de alguns amigos, cheguei, novamente, ao site da Revista Apartes. Dessa vez, minha curiosidade foi atiçada por uma matéria com o título de “Herança Espanhola”. Escrita de maneira extremamente competente por Rodrigo Garcia, o texto fala sobre uma iniciativa única de construir, na Vila Mariana, uma espécie de coliseu para trazer de volta as touradas para a nossa cidade.

Antes de continuarmos com esse curioso e histórico projeto, vamos falar sobre as touradas que aconteciam na cidade de São Paulo antes de 1912, data em que Manoel Correa Dias quis trazê-las de volta à vida na nossa amada metrópole.

As Touradas No Século XIX

Antes de ser uma cidade minimamente civilizada, São Paulo já foi palco de eventos de grande porte envolvendo as famosas touradas. O palco desses detestáveis espetáculos era a Praça da República e era um evento bastante corriqueiro para os moradores da São Paulo Antiga.

Estima-se que a primeira tourada da nossa cidade aconteceu no ano de 1832 em comemoração à inauguração de um “Hospital de Alienados” que ficava na esquina da Rua Aurora com a atual Avenida São João. O evento, que ocorreu no antigo Largo dos Curros , denominação antiga da Praça da República, foi trágico e culminou com a morte do touro e do toureiro conhecido como Tan-Tan.

Tourada na praça da República, em 1902. Imagem feita por Edgard Egydio de Sousa .
Tourada na praça da República, em 1902. Imagem feita por Edgard Egydio de Sousa .

Após esse espetáculo terrível, a cidade acabaria ficando sem esse tipo de entretenimento até 1877, quando o interesse pelas touradas ressurgiu. Com o crescimento dos eventos e a alteração progressiva do nome do Largo, passando por 7 de abril até chegar na Praça da República, o local foi sendo melhorado e recebendo melhorias.

Entre 1900 e 1902 o local foi reestruturado, com todas as arquibancadas feitas em madeira e, na foto abaixo, podemos ver o quão popular era esse tipo de evento na nossa cidade. Apesar dessa popularidade, em 1906, através De um projeto do vereador Manoel Correa Dias, que foi sancionado pelo prefeito Antonio da Silva Prado, as touradas foram proibidas.

Outro Manoel Tenta Reverter A Medida

Seis anos depois, em 1912, outro Manoel, dessa vez o com sobrenome Antonio Dias, apresentou à Câmara Municipal de São Paulo um requerimento para revogar o parágrafo da lei que proibia as touradas na cidade. Mais do que isso: o empresário queria a permissão para erguer o Coliseu Paulista, onde aconteceria o espetáculo conhecido como Feira de Sevilha.

O Coliseu ficaria na Rua Bernardino de Campos, na Vila Mariana, na época apenas uma área rural da cidade de São Paulo. Segundo registros feitos pelos repórteres e historiadores da CMSP, a planta anexada à petição previa uma arena em concreto e madeira com capacidade para até 5 mil pessoas nas galerias e nos camarotes.

O empresário justificava que a volta das touradas seria mais “civilizadas”, com garrochas (pequenos espetos) que não machucaria os animais. Além disso, ele garantia “um divertimento agradável ao público pelo fato de não ferir nem molestar o animal”.

Desenho da fachada do Coliseu Paulista
Desenho da fachada do Coliseu Paulista

Para comprovar suas afirmações, o empresário chegou a anexar à petição um modelo do espeto indolor e uma cópia com a patente da invenção onde a descrição afirmava que o objeto era, de fato, não penetrante, e voltado para “divertimentos tauromáquinos”.

A Câmara recebeu o requerimento e o passou à Prefeitura que, por sua vez, o encaminhou à Inspetoria de Polícia Administrativa. E, de acordo com o parecer,  “o aparelho apresentado preenche os fins a que se destina: de proteção aos animais, evitando que sejam feridos ou que sofram dor violenta”.

Apesar do parecer “favorável” um funcionário da Diretoria Geral da Prefeitura alegou que a Lei 956 era clara para encerrar esses espetáculos ao dizer que:  “espetáculo bárbaro de fazer sofrer os animais, não só farpeando-os, como produzindo quedas e extenuando-os com excessivas corridas, muitas vezes, debaixo de um sol ardente”.

O funcionário ainda lembrou que, “mesmo removido o ato degradante da farpeação, persistem outros motivos que ditaram a citada lei”. Sua conclusão é que a proibição deveria ser mantida porque o “instrumento apresentado pelo requerente vem apenas atenuar o sofrimento dos animais”.

A Prefeitura, por sua vez, manteve a proibição com o seguinte texto: “Nenhuma razão econômica ou financeira aconselha a revogação do dispositivo legal citado”, justificou o prefeito Washington Luís, futuro presidente da República, em um despacho de 8 de maio de 1919.

E Tentaram Novamente

Dois anos depois do despacho de Washington Luís, os integrantes do movimento “pró-touradas” voltaram a se articular. Dessa vez o empresário Francisco Peyres tentou derrubar a proibição e adquirir uma licença para erguer um edifício provisório para a realização de uma “uma temporada de diversões de touradas”, um “simulacro das célebres touradas de Madri”, já que seriam usadas garrochas que não machucavam os animais.

No requerimento feito ao poder executivo, Peyres chegou a argumentar dizendo que em Portugal e na França, por Lei, também eram proibidas as touradas, mas havia exceção com vários meses dedicados à “Temporada de Touros”, com resultados comerciais bastante satisfatórios para os respectivos países.

Ainda foi alegado que a arena seria de grande utilidade para o país, afinal, os criadores de gado poderiam exibir seus “exemplares” e mostrariam o esforço no aperfeiçoamento das raças de gado nacionais. A Comissão de Justiça e Polícia da CMSP analisou o pedido e, em 1921, decidiu arquivar, sob a justificativa de que esses espetáculos não eram permitidos na cidade.

Hoje as touradas continuam proibidas em São Paulo. A Lei Orgânica do Município, aprovada em 1990, determina que “ficam proibidos os eventos, espetáculos, atos públicos ou privados, que envolvam maus tratos e crueldade de animais”.  No Brasil, de maneira geral, as touradas foram proibidas por Getúlio Vargas, em 1934. Já a Constituição de 1988 proíbe as práticas que submetam os animais à crueldade.

2 Comments

  1. Equipe da São Paulo in Foco,
    Antes de mais nada, felicito-lhes pelo excelente trabalho que fazem para a divulgação das histórias de São Paulo.
    E agradeço a atenção que vocês sempre dão à Apartes.
    Gostaria, entretanto, de fazer um pequeno reparo à reportagem do blog sobre as touradas e o Coliseu paulistanos. O sobrenome do jornalista da Apartes que assina a matéria é Garcia. E não de Oliveira.
    Saudações

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