A história da cidade de São Paulo mostra, muitas vezes, a falta de planejamento dos governantes da metrópole. Nossa trajetória aponta que, em diversos momentos, a população cresceu de maneira desordenada e, obviamente, a cidade, de uma maneira geral, também se desenvolveu assim: sem planejamento. Contudo, uma região famosa da capital se desenvolveu, pelo menos no seu âmago, de maneira planejada e estudada. Estamos falando do tradicional bairro do Pacaembu. A história da região começa muito antes do planejamento urbano que seria proposto pelo governo paulista.
O Pacaembu, que outrora tinha como principal função ser um local de descanso para tribos indígenas, tem esse nome graças a um ribeirão que por ali passava. O nome, em tupi-guarani, quer dizer “terras alagadas”, um retrato de como era a região. Os primeiros homens brancos a pisar na região apareceram no século XVII, através de diversas missões lideradas pelos jesuítas. A urbanização, entretanto, só aconteceria por volta do ano de 1911, quando a City Of São Paulo & Freehold Limited comprou o “lote” da região e o transformou em um dos “Bairros Jardins” de São Paulo.
Os Primeiros Passos Para Urbanização e o Surgimento do Estádio do Pacaembu
Após a compra de toda a região do Pacaembu, a Companhia enfrentaria grandes desafios para colocar seus ambiciosos planos em prática. A primeira grande e difícil medida a ser tomada foi a canalização do grande ribeirão do Pacaembu que cortava toda a região.
Desse processo de acobertamento do ribeirão surgiu a atual Avenida Pacaembu, referência para os moradores do bairro. Logo depois, na década de 20, surgiu a ideia de construir um estádio na cidade de São Paulo.
A expectativa era ter um grande complexo esportivo que sanasse as necessidades dos esportistas da época. Para se ter uma ideia de como a cidade fervia com essa possibilidade de construção, até o poeta Mário de Andrade, grande personalidade intelectual daquela década, apoiava à construção do ginásio poliesportivo.
No ano de 1926, um importante acontecimento daria o incentivo que faltava para que o estádio e o complexo esportivo surgisse: a CIA City doou o terreno de 50 mil m², onde hoje está o Pacaembu, para o governo do Estado que, posteriormente, o passou à Prefeitura de São Paulo.
Dez anos depois, em 1936, Fábio da Silva Prado, um dos grandes ícones da nossa política, acatou o desejo da população e deu início as obras de construção do estádio. O empreendimento ficou à cargo da Construtora Severo e Villares.
Quase meia década depois, no dia 27 de abril de 1940, o presidente Getúlio Vargas, junto ao interventor federal Adhemar de Barros, e do novo prefeito, Prestes Maia, inauguraram o famoso e charmoso Estádio Municipal do Pacaembu.
A população compareceu em peso em um número superior ao de 50 mil espectadores, que puderam lotar as arquibancadas e desfrutar dos desfiles e apresentações que marcaram aquela solenidade.
Além disso, para essa grande cerimônia compareceram delegações de Argentina, Uruguai, Peru e 15 mil atletas brasileiros de agremiações como o Germânia (Atual Esporte Clube Pinheiros), Mackenzie College, Juventus, Paulistano, Espéria, Palestra Itália, Corinthians e São Paulo Futebol Clube.
Em homenagem aos esportistas, uma pira olímpica foi acesa e uma revoada de cinco mil pombos precedeu as falas das autoridades presentes. Um espetáculo pirotécnico marcou a inauguração daquele que, na época, era o mais moderno estádio Sul-Americano, com capacidade para setenta mil espectadores.
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Além do grande estádio, a população de São Paulo era presenteada com um ginásio poliesportivo, piscina olímpica, quadra externa de tênis, uma quadra poliesportiva, uma pista de atletismo, salas de ginástica, posto médico e um salão nobre dedicado à cerimônias e comemorações.
Apenas um dia após a grande inauguração, o estádio recebeu sua primeira partida de futebol que foi realizada entre o Palestra Itália e o time do Coritiba. O Palestra venceu por 6 a 2 e o placar foi inaugurado aos dois minutos do 1º tempo por Zequinha, do Coritiba. Completando a rodada dupla, o Corinthians iniciava sua trajetória no novo estádio vencendo o Atlético Mineiro por 4 a 2.
A primeira taça erguida no estádio foi a Taça Cidade de São Paulo, conquistada pelo Palestra Itália, contra o Corinthians, após uma vitória por 2 a 1. Também no Pacaembu, em um jogo entre São Paulo e Corinthians, que terminara empatado em 3 a 3, foi registrado o maior público oficial do estádio – 71.281 torcedores, em 24/05/1942, recorde nunca quebrado. O jogo marcou a estréia de Leônidas da Silva, o “Diamante Negro”, no Tricolor Paulista. A maior goleada do Estádio também é de autoria do São Paulo: 12 x 1 no Jabaquara.
Outras Modalidades Também Fazem Sucesso
Mesmo com o futebol sendo o grande carro chefe do Pacaembu, outras modalidades tiveram seu espaço no cotidiano e, até mesmo, nas lembranças dos paulistanos. O boxe, por exemplo, durante os anos 40, era uma grande atração na cidade. Lutadores como Atílio Lofredo e Antônio Zumbano, mais conhecido como Zumbanão, conseguiam levar multidões, nos anos 40, para assistir aos seus combates no Ginásio do Pacaembu.
Foi nesse ginásio, também, que, no ano de 1943, um dos maiores nomes do boxe brasileiro e mundial, Éder Jofre, aos sete anos, subia ao ringue pela primeira vez em uma luta-mirim contra um dos alunos de seu pai. Era o primeiro passo para uma carreira recheada de glórias que aconteceriam naquele ginásio.
O “Paca” como sede da Copa do Mundo de 1950, a Evolução do Complexo Esportivo e o Paulo Machado de Carvalho
Dez anos após o grande momento de sua inauguração, o Pacaembu receberia o maior evento do futebol mundial: a Copa do Mundo de 1950. Naquele ano, seis jogos seriam disputados no Estádio Municipal. A competição contou com a participação de 13 países e seis cidades-sede: São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Recife. Aconteceram ali os seguintes jogos: Brasil 2×2 Suíça, Suécia 3×2 Itália, Itália 2×0 Paraguai, Uruguai 2×2 Espanha, Uruguai 3×2 Suécia e Suécia 3×1 Espanha.
Dois anos após a Copa, o jornalista Ary Silva marcaria seu nome na história da cidade de São Paulo ao fazer a primeira transmissão de uma partida pela televisão direto do gramado do Pacaembu.
Pela pista de atletismo do Complexo passou o atleta Emil Zatopeck, que ficaria conhecido como a locomotiva humana por sua excepcional performance nas Olimpíadas de 1952.Na mesma época, Adhemar Ferreira da Silva dava seus primeiros saltos-triplos no Pacaembu, prática que o tornaria o único atleta brasileiro com duas medalhas de ouro olímpicas.
No ano de 1954, através da Lei Municipal n° 4.489, a Grande Praça, localizada em frente ao Estádio, passou a ser chamada de Charles Miller, em homenagem a um dos patronos do futebol brasileiro. Em 1955 Luizinho, o pequeno camisa 8 do Corinthians, levava o alvinegro à conquista do título do IV Centenário com o empate em 1 a 1 contra o rival Palmeiras, no Pacaembu.
Dois anos depois, em 26 de abril de 1957, na partida entre Santos e Palmeiras, Edson Arantes do Nascimento jogou pela primeira vez no estádio municipal, já mostrando toda a habilidade que o consagraria no ano seguinte.
O ano de 1958, inclusive, marcaria uma mudança muito especial para o Pacaembu. Após a grande conquista brasileira na Suécia, a Prefeitura Municipal de São Paulo resolveu homenagear um dos principais responsáveis pela formação da vitoriosa seleção. Em junho de 1961 o Estádio Municipal do Pacaembu passaria a se chamar Paulo Machado de Carvalho, em homenagem ao “Marechal da Vitória”, chefe da delegação canarinho nas Copas de 58 e 62.
Nessa mesma época, outro grande nome do esporte brasileiro utilizava as dependências do ginásio do Pacaembu: Maria Esther Bueno, o maior nome do tênis feminino do Brasil. Ela treinava nas quadras do complexo antes de se tornar oito vezes campeã em Wimbledon. Graças aos seus feitos, Maria Esther é homenageada com uma estátua de bronze no local.
Os Jogos de 63 E A Primeira Grande Intervenção no Estádio
Os jogos Pan-Americanos foram realizados no Brasil, pela primeira vez, em 1963 e, obviamente, São Paulo, como uma das maiores cidades do país, foi escolhida para sediar a competição e o Paulo Machado de Carvalho foi a sede das competições de atletismo, saltos ornamentais, natação e boxe.
Seis anos depois, em 1969, começaria a primeira grande reforma da história do Estádio Municipal. Na ocasião, para tentar trazer mais conforto aos torcedores, a Concha Acústica foi derrubada para dar lugar a mais um setor de arquibancadas, o chamado e contestado Tobogã que acrescentaria 10 mil lugares ao estádio.
Além dessa drástica mudança, também foi instalado o primeiro placar eletrônico do estádio, um mimo que colocava o “Paca” na lista dos principais estádios esportivos do mundo, tanto pelo seu tamanho, quanto por todos os eventos esportivos que ali aconteceram.
Após sua primeira grande reforma, o Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho se tornou um dos mais utilizados do Brasil. Inúmeras partidas de futebol marcaram a época no Pacaembu. Apesar de possuir um estádio próprio, o Corinthians optou por deixar de lado o Parque São Jorge e adotar o local como sua casa.
No dia 29 de setembro de 74, o Rei do futebol disputaria o seu último jogo no Pacaembu. A partida foi entre Corinthians e Santos e, diferente do habitual na história do clássico no local, o placar foi de 1 a 0 para o alvinegro da capital. Encerrava-se a passagem de um ídolo, pelo gramado onde balançou a rede 115 vezes em 119 jogos disputados.
Estabelecido como a principal casa do futebol na cidade de São Paulo, o Pacaembu também ganhou notoriedade nos anos 80 por eventos que envolveram outras modalidades esportivas e, especialmente, pelos espetáculos musicais.
A Segunda Reforma E O Futuro Incerto
No começo de 1983, devido às péssimas condições em que estava o estádio e o complexo esportivo, foram realizadas novas reformas para tentar conter a decadência daquele histórico lugar.
Em um ano foram realizadas melhorias como a recuperação da estrutura de concreto das arquibancadas, marquises e passarelas, reforma geral dos bancos do setor das numeradas, reparos do piso e das paredes dos banheiros, adequação das instalações elétricas, entre outras.
No final da década, assim como já acontecia com outras praças esportivas, o Pacaembu começou a receber shows, desfiles, exibições esportivas variadas e uma série de outros eventos. Em 1988, a cantora Tina Turner foi a primeira grande atração da fase musical do Pacaembu, depois de acertar a inclusão do Brasil na lista de países por onde passaria sua turnê.
Por lá, passariam grandes artistas internacionais como: o tenor Luciano Pavarotti, o Hollywood Rock , Paul McCartney e o mega-evento Monsters of Rock. Na década de 90 que o Complexo do Pacaembu, incluindo a Praça Charles Miller, foi tombado como Patrimônio Histórico da Cidade de São Paulo, comprovando o valor significativo que possui junto à sociedade paulistana.
Em 2007, deu-se início a uma série de reformas, com destaque para a alteração realizada no gramado do campo de futebol, com a introdução da grama “bermuda”, sempre com o intuito de deixar o espetáculo mais atraente.
O programa Clube Escola, criado com o intuito de levar os jovens da rede pública de ensino a ocupar os equipamentos esportivos municipais, chegou ao Pacaembu, com a introdução do Clube Escola de Tênis. Sob comando da ex-tenista Patrícia Medrado, um espaço gratuito e ideal para o desenvolvimento de novos atletas na modalidade. O grande medo de todos os amantes do patrimônio histórico de São Paulo fica por conta das novas arenas que surgem na cidade.
O Palmeiras e o Corinthians possuem moderníssimos estádios com padrões europeus de qualidade, o São Paulo caminha para uma reforma e o Santos raramente joga no Pacaembu. Fica a torcida para que esse bem histórico não seja jogado aos ratos e esquecimento e, obviamente, possa servir ao desenvolvimento de novos esportistas brasileiros.