Vivíamos o mês de dezembro de 1992 quando o vereador Zé Índio, do PMDB, teve a ideia de propor a construção de uma zona legalizada de sexo, onde prostitutas e travestis teriam uma carteirinha de identificação e atestado médico contra doenças. A ideia do vereador era a de cessar a prostituição nas ruas da cidade e criar algo parecido com o “distrito da luz vermelha” em Amsterdã, na Holanda.
Claro que, com a proposta inusitada, a imprensa “caiu em cima” da notícia. O famoso (e saudoso) Notícias Populares (NP) apelidou a ideia de “putódromo”. Na sequência, o projeto foi apresentado na Câmara Municipal de São Paulo e, segundo o assessor Nelson Valente, que trabalhava com o vereador, a ideia era a de fazer esse prostíbulo dentro do Sambódromo do Anhembi, com pequenas casas, que teriam quarto e banheiro. Ainda segundo o projeto, o local contaria com policiamento, médicos e assistentes sociais.
“O Sambódromo é o lugar ideal, longe das residências e dentro da cidade. As casinhas seriam construídas atrás das arquibancadas e as prostitutas e os travestis poderiam negociar na passarela”, contou o assessor. Entretanto, o vereador foi contra o que disse seu assessor: “Sou o autor do projeto e não quero que algo assim tenha qualquer ligação com o Sambódromo. Essa área deve ser criada em lugares afastados da cidade”, argumentou o vereador.
O projeto também contava com trechos um tanto quanto duvidosos e preconceituosos (ver a íntegra no final do texto). Como por exemplo, a maneira como o vereador (e a sociedade da época) viam os homossexuais. Destaco o trecho abaixo:
“Seu grande mérito está em iniciar a formação profissional’ das áreas social, psicológica, pedagógica e saúde pública como especialistas – mediadores e multiplicadores no trato de problemas decorrentes na questão da prostituição e homossexualismo. (…) Sua aprovação incentivara um debate cientifico e eticamente responsável acerca das questões levantadas pela prevenção da prática da prostituição e do homossexualismo e do uso indevido das drogas.”.
Com a palavra, os interessados….
O NP foi às ruas ouvir as trabalhadoras sobre essa possibilidade. E a recepção foi a melhor possível. Uma das mulheres entrevistadas, que não se identificou, chegou a dizer o seguinte: “Seria muito bom esse ‘putódromo’. Um lugar certo, fora do comércio, onde o homem pudesse ir sem a família”.
A reportagem conseguiu compilar vários outros depoimentos e, um dia antes da publicação, grupos de moradores de Higienópolis, Butantã e Moema fizeram uma reunião para discutir o assunto e concluíram que “queriam que principalmente os travestis deixassem as portas de suas casas”.
Após as reclamações dos sambistas sobre a possibilidade da construção desse espaço no Anhembi, o vereador sugeriu que o “putódromo” fosse construído em Perus, na Zona Norte. A ideia, claro, gerou revolta no bairro. Em 13 de dezembro, o “Notícias Populares” destacou a ira dos moradores, que organizaram protestos em repúdio à escolha do bairro.
Por fim, no começo do mês de abril, o projeto foi declarado inconstitucional. Nas palavras do parecer 113/93: “O principal pressuposto da legitimidade da lei é que ela tenha objeto licito. Assim sendo, não pode a lei municipal considerar como licita, atividade que a lei penal reputa como ilf cita, como são os casos das práticas de lenocínio e de rufia nismo, consideradas como crime, respectivamente, pelos Artigos 229 e 230 do Código Penal. O zoneamento proposto pelo Projeto n9396/92, não só viola a moral e os bons costumes, como também é ilegal por visar normatizar por lei municipal, atividade criminosa. Sala da Comissão de constituição e Justiça em, 05.04.93”.
ABAIXO O PROJETO DO VEREADOR NA ÍNTEGRA:
“O presente Projeto de Lei tem por embasamentos legais a Constituição da Republica Federativa do Brasil, a Constituição do Estado de São Paulo e a Lei Orgânica do Município de São Paulo.
O seu fundamento legal na Constituição Federal se adarga nos Arts. 196, 197, 199 e inciso II do Art. 200,’resguarddnao sempre os direitos individuais estabelecidos no Art. 52.
O presente Projeto de Lei, também, se encontra ancorado nos Arts. 219, 220 e seus parágrafos, 222 e 223, principalmente no 11, inciso VIII da Constituição do Estado de São Paulo.
Especificamente o Projeto de Lei se robustece no campo legal com sua adequação as determinações ordenadas na Lei Orgânica do Município de São Paulo em seus Arts. 212, 213, 215 e 216.
O objetivo geral deste Projeto de Lei e contribuir para o controle e diminuição das doenças venéreas transmissíveis, principalmente, a AIDS.
O objetivo especifico e transmitir conhecimento e orientar o cidadão sobre drogas, doenças venéreas, AIDS, os seus efeitos à população interessada na prática do prazer.
Tem, também, o presente Projeto de Lei o escopo de capacitar profissionais da área social para instruir em problemas referentes ao uso indevido de drogas, doenças venéreas e AIDS. Seu grande mérito está em iniciar a formação profissional’ das áreas social, psicológica, pedagógica e saúde pública como especialistas – mediadores e multiplicadores no trato de problemas decorrentes na questão da prostituição e homossexualismo.
Visa, ainda, atingir pessoas leigas interessadas em estudar a problemática do uso de drogas, das doenças venéreas e da AIDS, para que possam servir de medidores em seu lugar de trabalho, nas famílias ou na população em geral.
Tem, também, como mera atingir famílias confrontadas com a problemática da prostituição e do homossexualismo, visando uma compreensão equilibrada e uma relação adequada com o problema.
Além desse aspecto será evitado a agressão que ocorre hoje nas vias publicas da cidade, num verdadeiro atentado ao pudor, praticado pelas prostitutas e homossexuais, ate mesmo, nas áreas residenciais. Sua aprovação incentivara um debate cientifico e eticamente responsável acerca das questões levantadas pela prevenção da prática da prostituição e do homossexualismo e do uso indevido das drogas.
A prosperação deste Projeto de Lei ate sua aprovação e transformação em Lei, será uma grande arma para a sociedade paulista na disciplinar a prostituição e seus desdobramentos, resguardando as áreas residenciais da cidade.”.