Entre os muitos projetos que não deram, ao menos totalmente, certo para a cidade de São Paulo, o do arquiteto e urbanista francês Joseph-Antoine Bouvard merece ser relembrado e ter algum destaque. Mas para entender sua importância na transformação da cidade, é preciso conhecer um pouco do contexto que nossa querida metrópole vivia até então.
Estamos nos anos de 1900 e, com a inauguração dos bondes elétricos, novo meio de transporte, o poder público precisava adotar maneiras de regularizar o sistema viário existente e, de alguma forma, melhorar a estrutura que já funcionava.
Mas engana-se quem pensa que a cidade estava parada nessa questão de melhoria de infraestrutura viária. Estava em implantação, desde 1896, um projeto feito pela Comissão de Melhoramentos Urbanos para retificar ruas e alargar vias. A paisagem urbana ia mudando e se modernizando graças à iniciativa particular.
Entretanto, visando regulamentar as mudanças que vinham acontecendo na cidade e, se preocupando com a estética urbana, o poder público começou a trabalhar e instalou diversos Atos. Um deles, por exemplo, o Ato nº 26, de 18 de outubro de 1898, proibiu que fossem colocados postes e a presença de rede aérea de força e luz elétrica nas ruas da Área Central.
A Lei n.° 1.011, de 6 de julho de 1907, instituiu prêmios para as melhores fachadas e a Lei n.° 1.585, de 3 de setembro de 1912, passou a regular o aspecto externo dos edifícios em geral. O grande mentor de tudo isso foi o prefeito Antônio Prado que, além de se preocupar em colocar em prática as questões organizacionais da cidade, ainda precisava cuidar do gerenciamento de outras obras de grande porte, como a construção do Theatro Municipal e a implantação do Viaduto Santa Ifigênia.
Os Planos Para O Centro de São Paulo
Nesse contexto de mudanças urbanas da cidade alguns planos surgiram. Em 1910, com o engenheiro Vítor da Silva Freire e Eugênio Guilhem à frente da Diretoria de Obras Municipais, algumas deias começavam a ser sugeridas para o poder público.
Com foco no centro da cidade de São Paulo, os técnicos queriam que seu estudo fosse especial e ultrapassasse os projetos parciais que chegavam aos montes para a prefeitura. Resolveram propor medidas como: a construção de um anel perimetral a envolver o Centro e melhoria da comunicabilidade dessa área com outras partes da cidade.
Outro plano, também de 1910, foi apresentado ao Congresso Estadual no final daquele ano e havia sido elaborado pelo Engenheiro Alexandre de Albuquerque, em atendimento a uma encomenda feita por um grupo de empresários paulistanos. Chamado de Grandes Avenidas, o projeto queria abrir vias largas e extensas na área oeste da cidade, para que fosse possível a expansão física da área comercial, encastelada em local de difícil acesso e que, também ficasse perto das estações ferroviárias então existentes (Luz e Sorocabana).
Como nenhuma das propostas agradou o poder público, o Congresso Estadual solicitou, junto ao governo do estado, outra peça que, dessa vez, ficaria sob a responsabilidade do escritório do grande Engenheiro Samuel das Neves. E as grandes polêmicas da época começaram aí.
O projeto do escritório possuía grandes discordâncias com o primeiro, conhecido como Freire Guilhem, em um ponto considerado muito delicado: a forma de ocupação do lado ímpar da Rua Líbero Badaró, área voltada para a encosta do Vale do Anhangabaú.
Os opositores acusavam Neves de ceder à pressão do Conde Prates, maior proprietário de terras da região e, por isso, uma grande polêmica foi levantada entre os vereadores paulistanos que viram na proposta divergente encampada pelo Governo do Estado uma indevida ingerência nos negócios municipais. Para deixar essa proposta inválida, a Câmara autorizou a contratação de outro profissional, dessa vez estrangeiro, que pudesse dar o voto de minerva e solucionar o problema.
Joseph-Antoine Bouvard Entra Em Cena
Arquiteto de renome internacional, Bouvard já havia sido contrato, em 1907, pela prefeitura de Buenos Aires para redesenhar a capital argentina. Além disso, o gringo já era um profissional internacionalmente reconhecido, já que, entre os anos de 1897 e 1911, foi o diretor honorário dos serviços de arquitetura, passeios, viação e do plano da cidade de Paris. Uma história de bastante respeito.
Nessa ponte aérea que fazia entre a Europa e a Argentina o urbanista costumava passar alguns dias em São Paulo. Em uma dessas passagens, em 1911, através do prefeito Duprat, ele acabou contratado para resolver um grande problema que acontecia dentro da cidade. Seus honorários não foram baratos, cerca de 5 mil libras esterlinas, e a missão era clara: resolver o problema dos projetos já existentes e oferecer uma solução plausível para a prefeitura de São Paulo.
Seu trabalho acabou dividido em três partes distintas: o alargamento da Rua Líbero Badaró e a criação do Parque do Anhangabaú; a proposição de um novo Centro Cívico, depois alterado para Praça da Sé; e a criação do Parque da Várzea do Carmo (mais tarde Parque Dom Pedro II).
Conhecido como Projeto Bouvard, as medidas começaram a ser colocadas em prática a partir de 1911, o que acelerou o ciclo de demolições da cidade de São Paulo. Essa onda de “destruição” atingiu o ápice em 1913, último ano da gestão do Barão de Duprat, tendo coincidido com o surgimento de uma gravíssima crise financeira.
Dessa maneira todas as obras municipais acabaram perdendo força. Com o começo da Primeira Guerra Mundial tudo ficou ainda pior, arrastando algumas obras por vários e vários anos. Assim, coube ao Prefeito Washington Luís cuidar e gerenciar da situação.
No meio da década de 20, mesmo com a grave crise instaurada no mundo, já era possível ver a “nova” São Paulo com seus jardins públicos, avenidas largas e praças extremamente bem planejadas. A metrópole ganhava um Centro à altura de sua condição de terceira cidade da América Latina. O Centro, enfim, estava pronto para ser devidamente admirado por todos os brasileiros e pelos visitantes estrangeiros, a cuja opinião era tão sensível então a classe dominante.
Apesar de todo esse planejamento, essa imagem da cidade acabou não perdurando. Por mais que o centro estivesse equilibrado, o centro havia sido moldado para uma oligarquia que estava com os dias contados para sair do ápice do poder econômico paulistano. Ao longo dos anos seguintes, grandes transformações de natureza política, econômica, social e cultural começariam a desfazer, com rapidez, todo esse cenário cuidadosamente montado.
Muito instrutivo no sentido de conhecer detalhes da história da cidade.