O quebra cabeça de 200 peças: o restauro de N. Sra. Aparecida no Masp

O dia 16 de maio de 1978 ficou marcado na história dos católicos pelo atentado a imagem de Nossa Sra. Aparecida. E pior, o atentado foi dentro da própria basílica, o que mudou completamente os protocolos de segurança do local. Vamos à história.

Segundo o livro, Aparecida – A santa que perdeu a cabeça, ficou negra, foi roubada, cobiçada pelos políticos e conquistou o Brasil, não era um dia comum na Basílica Velha de Aparecida. Apesar das missas se enfileirarem durante o dia, o clima já era feio. Vento forte, poeira subindo e cobrindo os pedestres e o clima de chuva forte que estava para chegar.

De toda forma, a missa das 20h não foi cancelada e, por volta das 20h10, quando a comunhão era celebrada, um blecaute de dois minutos atingiu a basílica. Foi o suficiente para que Rogério Marcos de Oliveira, de 19 anos, subisse no nicho da imagem de Nossa Senhora, pudesse dar três golpes no vidro e pegasse a imagem.

A fuga foi cinematográfica: ao descer da altura que era de cerca de dois metros, a coroa ficou presa no vidro quebrado e acabaria amassada. A cabeça da imagem desprendeu-se do corpo e se estilhaçou no chão. Nesse meio tempo, a luz voltou e a visão da destruição gerou tumulto na igreja. Rogério tentou fugir com o corpo da imagem, mas foi alcançado na rua por um dos guardas, João Batista, que o puxa pelo braço.

Nesse momento, o criminoso deixa a imagem cair no chão e tenta fugir pelas ruas da cidade. Pouco depois, perto do rio em que a imagem foi encontrada, ele foi preso e levado à Santa Casa para tratamento. Tempos depois descobriu-se que ele era um iconoclasta e que fora incentivado a destruir todas as imagens que pudesse.

Claro que os fieis, revoltados, tentaram fazer justiça com as próprias mãos. Em um ato de sabedoria, o Padre Antônio Lino Rodrigues, acalmou a todos dizendo que a imagem era falsa. Nesse momento, duas freiras, Êgide e Efigênia, começaram a juntar as peças, no que foram ajudadas pelos presentes. Infelizmente, vários desses pedaços foram levados embora.

Os padres tentaram manter a versão de que a imagem quebrada era falsa, mas o bispo de Aparecida, Dom Geraldo Penido, revelou no dia seguinte que era a verdadeira, mas ainda escondendo o fato da grande fragmentação da imagem.

Registro do Estadão de 18 de maio de 1978, com destaque para a legenda falando de Rogério.

O delicado restauro

O pós-atentado foi muito complicado para a direção da igreja católica no Brasil. Existiam muitas dúvidas: era possível restaurar? Seria melhor colocar uma réplica no lugar, como sendo a autêntica e enterrar esse segredo?

Após intensos debates, foi decidido falar a verdade e buscar alguém que pudesse restaurar a imagem. O reitor do Santuário, Padre Izidro de Oliveira Santos telefonou ao Vaticano tentando encomendar a restauração ao prof. Deoclecio Redig de Campos, que havia feito, seis anos antes, a restauração da Pietà, de Michelangelo, como sugere a matéria do Estadão, logo acima.

O Professor sugeriu que o Padre Izidoro recorresse ao diretor do Museu de Arte de São Paulo (Masp), Pietro Maria Bardi, para ver o que poderia ser feito. Após mais algumas discussões, o trabalho ficou a cargo de Maria Helena Chartuni, chefe do Departamento de Restauração do Masp.

Em 28 de junho, os padres Izidro e Antônio foram ao Masp, onde entregaram uma caixa branca contendo os fragmentos a Bardi e Chartuni. Vale o registro de que, antes da entrega, o padre perguntou se os dois eram católicos, o que confirmaram. Rezaram todos uma Ave-Maria para abençoar os trabalhos, e o prof. Bardi acompanhou os religiosos à saída.

Foto da caixa com os fragmentos da cabeça da imagem de Nossa Senhora Aparecida depois do atentado de 1978

Após essa cerimônia o Padre Izidoro disse à imprensa que a imagem quebrada fora levada para o Vaticano para restauração. Essa “mentira” só seria desmentida pouco antes da restauração ter ficado pronta, o que facilitou demais o trabalho.

A sala de restauração do Masp foi isolada com cordas e foi vigiada por 24 horas por seguranças. Além disso, o fecho da porta foi trocado e apenas a restauradora, Bardi, um fotógrafo e os padres tinham acesso à sala. Chartuni separou as peças, que eram mais de 200, sendo 165 do corpo. A cola usada foi uma argentina, à base de epóxi.

O maior problema do restauro foi a cabeça, já que o lado direito da imagem estava totalmente destruído. Não houve alternativa a não ser esculpir o que faltava, baseando-se no lado esquerdo e em réplicas que os padres levaram.

Segundo o livro que citamos acima, a restauradora teve que fazer, praticamente, microcirurgias nas peças. Com o passar do tempo, o barro se dilatou e as peças, mesmo que estivessem todas a disposição, não caberiam em seus encaixes. Várias peças foram alteradas, com um esmeril, para que existisse a chance de um restauro digno.

Maria Helena Chartuni durante o restauro da imagem de Nossa Senhora Aparecida 

Durante o trabalho havia a crítica de que a imagem estava muito feia e uma violenta discussão entre Chartuni e o Padre Izidoro aconteceu dentro do museu. O padre queria que a imagem fosse, pasmem, levemente clareada, sobre o que a profissional discordou. O padre, extraoficialmente, não esteve contente com o andamento dos trabalhos de restauração, tendo pedido demissão de seu cargo assim que a imagem retornou a Aparecida.

A restauração foi concluída em 31 de julho de 1978 e a imagem retornou a Aparecida sobre um carro do Corpo de Bombeiros. Mas a história não acaba aí.

Menos de um ano depois, Padre Izidro, que não concordou com o processo de restauração, subtraiu a imagem, deixando uma cópia no lugar. Na sequência, ele a levou para se fazer um molde que a manchou consideravelmente. Então pintou-a com uma camada grossa de tinta automotiva e a devolveu.

A restauradora foi novamente chamada às pressas. Retirou a tinta e a restaurou novamente. Dez anos mais tarde, novo evento de retirada de molde, a encheu de manchas e a sempre talentosa Maria Helena cuidou da santa novamente.

Em entrevista ao G1, a artista falou sobre várias curiosidades da época:

“Me disseram ‘precisamos restaurar essa imagem’, mas não falaram em quantos pedaços estava. Aí colocaram lá na minha sala e quando abriram [a caixa com a imagem] eu vi o tamanho do estrago. Senti pânico”, relembra.

Eu disse para Ela: você me colocou em um problema enorme e agora vai me ajudar. E Ela me ajudou muito. Senti muita ajuda espiritual, mas muita.

“Minha ficha só caiu quando ela foi entregue. Nunca vi tanta gente na minha vida. E não era gente que ia lá de curiosidade. Eram pessoas que quando Ela passava, choravam, se emocionavam. Os caminhoneiros lá da Dutra, que na epoca era só uma pista, paravam no acostamento, ajoelhavam nas cargas lá de cima, rezavam. Aquilo começou a me dar um nó na garganta. Eu nunca imaginava isso”.

Após restauro, imagem é levada de volta para Aparecida

Referência: https://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/aparecida-300-anos/2017/noticia/imagem-original-da-padroeira-foi-restaurada-apos-ser-quebrada-em-200-pedacos-em-atentado.ghtml

https://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/noticia/restauro-da-imagem-de-aparecida-faz-40-anos-em-2018-e-igreja-planeja-peregrinacao-na-dutra.ghtml