As curiosidades da cidade de São Paulo são, de fato, infinitas. A SP In Foco traz, dessa vez, a história da sociedade secreta paulistana ou, simplesmente, a Bucha.
O primeiro grande símbolo dessa organização pode ser encontrado na Faculdade de Direito da USP. Ali existe um obelisco construído no mais silencioso pátio da faculdade. Além disso, ele é decorado com vários enfeites, como: tochas e outros elementos de bronze, como a placa que informa o nome do finado professor Júlio Frank, morto por pneumonia em 1841.
Frank, nascido em 1808 e não em 1809 como consta na placa, foi o criador da Burschenschaft Paulista, também conhecida como Bucha, ou simplesmente B. P., uma organização formada por estudantes do Largo São Francisco.
Criada como uma espécie de maçonaria estudantil, seus membros vieram a ocupar grandes postos no governo do país e a Bucha atuaria por muito tempo na política nacional até a queda do lendário Washington Luís (1869 – 1957) no ano de 1930. Por tudo que se sabe, ele foi o último presidente bucheiro do Brasil.
O Patrono da Bucha
O grande fundador dessa organização, Júlio Frank, era um estudante alemão que fugiu para o Brasil após se envolver em diversas brigas e por possuir grandes dívidas na Universidade de Göttingen. Chegou ao Rio de Janeiro em 1831 logo após a saída de D. Pedro I.
No dia 14 de julho ele embarcaria para São Paulo disposto a fazer história. Inicialmente, Frank ficou na colônia alemã da Real Fábrica de Ferro São João do Ipanema, atual região do Iperó, e depois seguiu para a cidade de Sorocaba.
O alemão teve diversas profissões como caixeiro e professor. Frank era um dos protegidos do grande político brasileiro e, também, patrono da Rota, o sorocabano Rafael Tobias de Aguiar e, graças a sua influência, acabou mudando para São Paulo onde deu aulas até ser contratado em 1834, pelo próprio Tobias de Aguiar, para ser professor de História e Geografia no chamado Curso Anexo.
E, graças a esse contato direto com os alunos, Frank teve todas as ferramentas necessárias para a formação da sociedade secreta estudantil, a Burschenschaft (Sociedade de Camaradas).
Criada sobre alicerces liberais e antiabsolutistas, a Bucha, auxiliava os estudantes sem recursos, mas que tinham potencial e muita vontade de estudar. Vale o destaque que tudo isso era feito de maneira velada e sem que ninguém soubesse quem eram os “protetores” desses estudantes.
Com o passar do tempo, a organização acabou evoluindo. Conforme os alunos iam se formando, crescendo na profissão e melhorando de vida, estes arrumavam colocações para os membros da Bucha que estavam acabando o curso.
Nessa época, inclusive, o ideal da sociedade começava a ser mudado: no começo, a organização era liberal, abolicionista e republicana; porém, crescendo com os ardores juvenis e conforme seus integrantes eram absorvidos pela burocracia governamental, passou a contar com membros conservadores, escravocratas e monarquistas.
Os discípulos do velho alemão criaram uma nova estrutura dividida em graus e com várias outras características:
– Na Faculdade: era constituída por Catecúmenos, Crentes e Doze Apóstolos
– Fora da Faculdade: era formada por Chefes Supremos e o Conselho dos Divinos. Seus membros eram escolhidos entre os estudantes que se destacassem por sua firmeza de caráter, espírito filantrópico, amor à liberdade e aos estudos.
Durante a chamada República Velha, corria a lenda que não havia ministro, juiz ou até mesmo candidato à presidência que tomasse posse ou fosse indicado sem a liberação do Conselho dos Divinos.
O líder dessa sociedade era chamado de chaveiro, um estudante do quinto ano do curso de direito. Quando o ano letivo estava chegando ao fim, uma velha chave era pendurada, dia a dia, em um pilar das Arcadas. No último dia , acontecia uma grande festa, que durante a República Velha contava com a presença do presidente da República, do presidente da Província, do prefeito, de ministros e juízes do Supremo.
O jornal O Estado de São Paulo, cujo diretor, Júlio Mesquita Filho (1892-1962), foi um chaveiro, dava ampla cobertura. A banda da polícia tocava, havia banquete, e nessa ocasião a chave era passada do estudante que estava se formando para um do quarto ano.
A história dessa sociedade conta que, mais de um estudante, por vários motivos, ao não se formar no Largo São Francisco, mudava-se para a Faculdade de Recife e lá teriam fundado a Tugendbund (União e Virtude).
Durante muito tempo, no subsolo do prédio do Liceu de Artes e Ofícios, onde hoje está a Pinacoteca, foram realizadas reuniões da Bucha.
Conta-se que durante a 1ª Guerra um delegado, vendo a estranha movimentação no Jardim da Luz, e pensando tratar-se de espiões alemães, invadiu uma reunião, dando voz de prisão a um grupo fantasiado.
A ordem foi rapidamente revogada pelo próprio presidente da Província, um dos presentes a essa reunião da Bucha, juntamente com o prefeito. O delegado foi então iniciado como bucheiro para preservar o segredo da instituição.
Os bucheiros, de maneira geral, atuaram na criação da Liga Nacionalista, esta inspirada nas ideias de Olavo Bilac. A Liga pregava a melhoria e a ampliação da instrução pública no Brasil.
Fundada em 1917 pelo professor Vergueiro Steidel (1867-1926), da São Francisco, e tendo como presidente honorário o “Príncipe dos Poetas”, a Liga colaborou ativamente, até mais que o próprio governo, durante a passagem de Washington Luís pela prefeitura paulistana.
A Liga ajudou a montar hospitais e cuidar das viúvas e órfãos durante a epidemia da Gripe Espanhola. A Liga Nacionalista aglutinou na sua direção membros da Faculdade de Medicina e da Politécnica.
Estas ja possuíam também suas próprias organizações estudantis, coirmãs da Bucha: a Jungendschaft (União da Mocidade), na Medicina, e a Landmanschaft (sociedade das pessoas de um mesmo campo), na Politécnica.
A Decadência da Bucha
A organização começou a perder influência com uma ordem do presidente Arthur Bernardes que proibiu o funcionamento da Liga Nacionalista após a revolução de 24.
A Liga e a Bucha tiveram um importante papel na proteção do povo de São Paulo e na tentativa de abastecer a capital durante o cerco das tropas legalistas. Tudo isso foi feito sob a ordem de José Carlos Macedo Soares, ex-chaveiro da organização.
Outro fator que causou a decadência da organização foi a perda de seus valores iniciais. Dentro das Arcadas, com a criação do Centro Acadêmico XI de Agosto, uma instituição forte, a influência da Bucha transformou-se em moeda de troca: quem votasse na chapa de membros bucheiros para a diretoria receberia boas indicações e facilidades para sua vida profissional e os que não os apoiassem estariam fora dos conchavos políticos.
Tal atitude causou indignação em uma grande parte dos alunos que passou a combater a Bucha dentro do local do nascimento. O Partido Republicano Paulista, órgão político dominado pelos bucheiros, rachou em 1926 com a criação do Partido Democrático Paulista, formado em grande parte por ex-integrantes da Liga Nacionalista, que se colocariam ao lado da Aliança Liberal contra o PRP, em 1930.
A importância dos membros da Bucha na política, na diplomacia e no direito pode ser resumida em uma história.
Quando a polícia política do Estado Novo invadiu a Faculdade de Direito, apreendeu documentos da Bucha e os enviou a Getúlio Vargas (1882-1954). Este, ao tomar conhecimento das pessoas envolvidas, teria resolvido deixar a questão de lado: não seria possível governar o Brasil sem eles.
Outro político famoso, Carlos Lacerda (1914-1977), ao ter acesso a documentos da Bucha, afirmou, a respeito da história dessa sociedade, que “ou se tem o mínimo de documentação, ou não adianta contar, porque vão pensar que é um romance”.